Teses de Orientação Programática

APRESENTAÇÃO

As Teses de Orientação Programática, que aqui publicamos, constituem um documento que nosso grupo elabora há muitos anos, mesmo antes da aparição do Grupo Comunista Internacionalista (junho de 1979). Representam um nível de síntese do permanente esforço internacional de discussão, crítica, aprofundamento, elaboração, realizado historicamente pelos militantes revolucionários e que vai permitindo uma delimitação cada vez mais precisa das teses programáticas de nosso movimento, o comunismo. [1]

Sobre esta questão, assim como sobre todas as outras, nós recusamos total e simultaneamente tanto a ideologia da invariância formal (ortodoxia da forma), quanto a dos inovadores revisionistas de todo tipo (heterodoxo quanto ao conteúdo), contrapondo, como nossas teses indicam, o constante aprofundamento e a determinação cada vez mais precisa das implicações programáticas contidas invariavelmente na luta comunista. Por isso, estas teses não são nem a enésima versão de um texto a que atribuímos um caráter sagrado, nem tampouco um conglomerado de idéias sujeitas a mudança parcial ou total pela simples vontade (ainda que majoritária) de tal ou tais militantes. Trata-se mais precisamente, de uma "fotografia", de um momento, da atividade coletiva permanente de resgate programático, do qual houve formulações anteriores e que certamente haverá no futuro, formulações que se situam na linha histórica que expressa teoricamente a prática comunista de ruptura com toda a sociedade capitalista.

No que concerne a esta atividade teórica (eminentemente prática), a atividade das frações comunistas é sempre a mesma: perceber e expressar, contra todas as ideologias, o que na realidade imediata anuncia o devir histórico, o que no capitalismo e contra ele constitui sua negação e anuncia o comunismo, sintetizar a experiência acumulada do desenvolvimento da revolução e da contra-revolução. Trata-se de parte indispensável da ação comunista, não somente na medida em que as frações comunistas constituem parte e expressão orgânica coerente do movimento de destruição da sociedade atual, mas na medida em que é através delas que o proletariado condensa suas experiências e as transforma em diretivas do agir futuro; ou, melhor dizendo, que O COMUNISMO ENGENDRA A SUA DIREÇÃO HISTÓRICA. [2]

O problema não consiste, então, para nós, em inventar "novas teorias" (o que sempre implica em repetir velhas burradas sob novas formas), em descobrir novos "sujeitos históricos", nem em promover "novas práticas"... mas, pelo contrário, consiste em pôr em evidência as conseqüências invariantes da contradição capitalismo-comunismo, presente desde que o capital conquistou a produção e subsumiu em seu ser o conjunto da humanidade.

Este documento possui a vantagem de apresentar de forma global e sintética o conjunto das posições fundamentais que orientam nossa atividade e pode assim servir de referência explícita ao quadro programático no qual nossa militância se desenvolve. Porém este documento possui também a desvantagem, que será sempre explorada pelos fetichistas da forma, de ser considerado o alfa e o ômega da teoria revolucionária, de se pretender que, uma vez formulado, deveria solucionar todos os problemas que o movimento comunista, hoje ainda embrionário e disperso, tiver que enfrentar. Para nós, estas teses são uma base adquirida; o resultado de anos de atividade militante e que serve para orientar e definir nossa futura militância.

As teses dos comunistas não são e nunca foram teorizações acerca de como se deve reformar o mundo, invenções ou elucubrações ideológicas; mas, pelo contrário, são a expressão teórica do movimento real de abolição da ordem estabelecida. E, como tais, sintetizam as determinações efetivas e práticas do proletariado em seu movimento subversivo, formando, ao mesmo tempo, parte indispensável e decisiva na prática desse movimento em sua luta por uma direção revolucionária e para se constituir em força histórica mundial.

Por isso, durante a história secular do Partido Comunista, as teses dos comunistas foram se desenvolvendo, se afirmando, se precisando, com o próprio movimento revolucionário (incluindo o balanço das derrotas sucessivas do mesmo), o que não quer dizer de forma alguma que essas teses, em suas sucessivas formulações, possam ficar livres do livre arbítrio ou das tão cacarejadas inovações. Com efeito, enquanto expressões teóricas do invariável antagonismo capitalismo-comunismo, as sucessivas formulações são necessariamente imperfeitas, inacabadas. Inclusive, podemos afirmar sem temor de nos equivocarmos que todos os Manifestos formais produzidos na história do partido até o triunfo total da revolução comunista contém e conterão posições errôneas e até alheias aos interesses do proletariado. Entretanto, cada uma dessas formulações sucessivas, na medida, claro está, em que sejam expressões reais da direção comunista do movimento, reafirmam em diferentes níveis os fundamentos invariantes deste movimento. Por isto, cada geração de revolucionários não tem de começar do zero, mas, pelo contrário, sua atividade prática se dirige por fundamentos invariantes que não se trata de revisar, mas de desenvolver, de levar a suas últimas conseqüências. Em contraposição a esta atividade revolucionária, a contra-revolução e, em especial, a social-democracia, partido geral da pseudocontinuidade formal e da revisão programática, faz justamente o contrário, e ainda que reivindique os líderes proletários do passado, deles só toma frases isoladas, separadas de seu contexto em nome da ortodoxia (formal), mas sempre ataca os fundamentos mesmos daquele antagonismo invariante. É por isso que toda obra revisionista se baseia sempre numa reinterpretação geral do capitalismo, numa suposta mudança de natureza do mesmo e da luta do proletariado para então definir seu programa invariavelmente contra-revolucionário.

Parece-nos indispensável dar um exemplo de tudo que afirmamos, o que sem dúvida esclarecerá a leitura e o sentido geral de nossas teses.

"O PROLETARIADO NÃO TEM PÁTRIA" é uma tese central e invariante de nosso partido, durante toda a sua história, e que determina e contém um conjunto de orientações práticas fundamentais. Mas, de onde ela vem? E quais são suas implicações? Contrariamente ao que todo marxismo burguês diz, esta tese decisiva não é a invenção de nenhum teórico, mas, da realidade, da vida mesma do proletariado. No primeiro Manifesto do Partido Comunista que merece tal nome no sentido pleno da palavra, Marx e Engels formularam dessa maneira uma realidade que desde então, sob diferentes formas, constitui parte desse abc do movimento comunista, e que todas as formulações posteriores do programa recolhem de diversas formas. Mas a realidade do proletariado que não tem pátria não é uma realidade contingente ou à qual se possa colocar datas de começo e fim, ou pretender que a mesma comece com sua formulação teórica. Muito pelo contrário, é uma realidade essencial e permanente do proletariado como ser histórico, que o determina em contraposição a todo sistema burguês e que, como negação deste, já contém definições decisivas da sociedade por vir (abolição de toda nacionalidade, de todas as fronteiras etc.). Ou, em outras palavras, antes que Marx e Engels a formulassem desta maneira, esta diretiva invariante do movimento comunista, em contraposição a toda pátria, já era uma realidade: o proletariado nunca teve nem terá pátria, em sua própria vida se encontra abolida toda nacionalidade (cfr. "A Ideologia Alemã"). [3] Tampouco nos surpreende que outras formulações, mais ou menos claras, desse mesmo aspecto central do programa tenham sido feitas - antes ou depois daquele Manifesto, em diferentes partes do mundo e por outros militantes comunistas,que nem sequer conheceram Marx e Engels; isto não é mais do que a expressão da vida prática.

Porém a afirmação teórica dessa tese e dessa maneira tão explícita no Manifesto marca um passo decisivo e irreversível do Partido: será uma base indispensável de todas as formulações posteriores, sobre a qual não se pode voltar atrás e que se constituiu num grito de guerra do proletariado em luta.

Este não é o lugar para explicar o processo pelo qual militantes como Marx e Engels chegaram a essa afirmação, mas é decisivo sublinhar o fato de que a mesma não é só uma negação na forma, mas também no conteúdo (o movimento real do proletariado é a negação da pátria), dado que isto é decisivo para compreender o método de exposição das teses que aqui apresentamos. O método geral de exposição, a contraposição comunismo-capitalismo, e, durante o capitalismo, o comunismo enquanto negação prática daquele, tem por fundamento o fato de que todas as determinações programáticas positivas estão contidas em negativo no próprio capitalismo (incluindo as experiências contra-revolucionárias), ou melhor dizendo, o comunismo é, nesta fase, essa negação enquanto movimento revolucionário. Tampouco podemos nos deter no conjunto das teses às quais a tese "o proletariado não tem pátria" está indissociavelmente ligada, nem em todas as implicações que Marx e Engels foram capazes de deduzir dela; mas sublinharemos que ela está ligada a um certo nível de percepção do capital como realidade mundial, do comunismo como movimento universal, do internacionalismo como elemento decisivo na prática do proletariado... e que, sem estas bases invariantes, o grito de "proletários do mundo, uni-vos" ... assim como a concepção diretamente internacional do Partido e do programa (o próprio manifesto não tem pátria!!) teriam sido letra morta ou frases vazias. O que é decisivo na linha histórica do Partido é essa continuidade, de geração em geração de revolucionários, na qual não se trata de inventar nem de revisar nada, mas de desenvolver na própria prática revolucionária conseqüente as determinações contidas no movimento subversivo real existente.

O revisionismo faz precisamente o contrário, usará ou não citações de Marx, Engels, ou qualquer outro dirigente revolucionário, mas seu caráter invariável é questionar os próprios fundamentos das determinações práticas do proletariado, para o qual sempre se começa dizendo que a sociedade mudou, que o capitalismo não é o mesmo de antes, que a luta dos proletários também e depois termina defendendo qualquer coisa, inclusive a pátria.

Vejamos o exemplo de Bernstein sobre esta mesma questão:

"Mas a social-democracia, como partido da classe operária e da paz tem algum interesse em manter o potencial defensivo da nação? Existem diversas razões pelas quais alguém se veria inclinado a responder negativamente, sobretudo se tomarmos em conta como ponto de partida a afirmação do Manifesto Comunista de que "o proletariado não tem pátria". Entretanto esta afirmação poderia ser válida quando muito para os operários dos anos quarenta [4] que estavam desprovidos de direitos políticos e eram excluídos da vida pública; mas atualmente já perdeu grande parte de sua veracidade... e continuará perdendo ainda mais a medida em que o operário deixe de ser proletário para se converter em cidadão. O operário que no estado, nas comunas etc., é eleitor com iguais direitos e participa no bem comum da nação; o operário cuja comunidade educa seus filhos e protege sua saúde, do mesmo modo que proporciona uma segurança contra os infortúnios - este operário terá incessantemente uma pátria pelo fato de ser cidadão do mundo, do mesmo modo que as nações se aproximam cada vez mais sem perder sua própria individualidade. (...) Atualmente se fala muito da conquista do poder político por parte da social-democracia; e pelo menos a julgar pela força que adquiriu na Alemanha, não é impossível que uma série de acontecimentos políticos a levem brevemente a assumir um papel decisivo no país. Mas, precisamente tendo em vista tal eventualidade e considerando a distância que ainda separa os povos vizinhos desta meta, a social-democracia deverá assumir um caráter nacional... Esta é uma condição indispensável para manter seu poder. Deve confirmar sua aptidão para partido dirigente e de classe dirigente atuando à altura da tarefa de salvaguardar, com a mesma firmeza, os interesses de classe e o interesse da nação." Bernstein "As Premissas do Socialismo e as Tarefas da Social-democracia". Capítulo IV, "Tarefas e Possibilidades da Social-democracia", ponto D. "As tarefas imediatas da social-democracia".

Neste caso, a metodologia da revisão e as conseqüências políticas que da mesma derivam são demasiado claras para ser necessário insistir. Mas em geral a questão é muito mais complicada. Com efeito, Marx e Engels não captaram todas as implicações daquela tese decisiva do programa comunista. Da mesma maneira, por exemplo, que a geração de revolucionários de 1917 não chegou a assumir as implicações de outras teses centrais do programa, como a "destruição do Estado burguês", Marx e Engels oscilaram, sobretudo no que concerne à questão nacional e defenderam posições totalmente contraditórias e muitas vezes contrárias ao internacionalismo proletário. Não são estranhas a tal apropriação parcial as ambigüidades de Marx e Engels com relação à social-democracia cuja própria base de constituição era antagônica àquela tese (partidos nacionais para a defesa da democracia), nem o fato de que o próprio Engels revisasse integralmente a mesma para reivindicar a defesa nacional alemã e a participação na guerra imperialista. Com efeito, entre a tese "o proletariado não tem pátria" e as conseqüências imediatas que da mesma decorrem por um lado (internacionalismo, organização diretamente internacional do proletariado, oposição ao nacionalismo de "sua própria" burguesia - conseqüências todas que se encontram na vida do proletariado que luta contra seus exploradores diretos e desenvolve por este mesmo fato uma prática já internacionalista) e a posição de Engels, nacionalista, burguesa e imperialista em 1891, quando parece iminente o início da guerra entre o Estado alemão e o Estado russo e francês, há um abismo, uma profunda ruptura programática, uma revisão integral. Recordemos que Engels sustenta nessa oportunidade que, se a Alemanha é atacada, "todo meio de defesa é bom", que deve "se lançar contra os russos e seus aliados sejam quais forem" e que inclusive abre a possibilidade de que nessa circunstância "nós sejamos o único partido belicista verdadeiro e decidido" [5]. Como se sabe, esta é exatamente a posição pró-imperialista que a social-democracia levará adiante.

Este exemplo nos permite mostrar com uma clareza total por que a contra-revolução e o revisionismo puderam e podem em muitos casos brincar de ortodoxia (prática geral da ala "marxista" da social-democracia cujo grande ideólogo foi Kautsky)- seja porque os próprios Marx e Engels tinham desenvolvido só pela metade as implicações daquela tese, seja porque Engels havia se ocupado integralmente da revisão com o pretexto, como sempre, das condições particulares do capitalismo naquele momento.

Permite-nos, também, contrapor a atitude histórica dos comunistas. Para nós não se trata de modificar essa tese central, nem de pô-la no mesmo nível de um conjunto de frases contingentes e confusas que acompanham esta afirmação (como a de que a luta do proletariado seria internacional só por seu conteúdo mas não por sua forma [6]), nem de seguir Marx e Engels no conjunto de renúncias parciais ou totais da mesma, mas de desenvolver todas as conseqüências daquela. Mas este desenvolvimento não é tampouco um desenvolvimento inventivo ou ideológico, não se trata de sentar num escritório e/ou num bar e inventar um conjunto de complementos para esclarecer aquela tese. Foi a própria luta, a gigantesca contraposição revolução versus contra-revolução que deixou claramente estabelecida a fronteira existente entre participação nas guerras de libertação nacional e nas guerras imperialistas, por um lado, e o derrotismo revolucionário, por outro; ou seja, que permitiu enfim compreender teoricamente outras implicações daquela tese, que Marx e Engels não tinham assumido ainda. E desde então o derrotismo revolucionário e o internacionalismo conseqüente são uma base efetivamente apropriada, um ponto de partida elementar das sucessivas gerações de revolucionários. É assim que, em conjunto, as teses dos comunistas se desenvolvem, se afirmam, por sucessivas apropriações do programa.

E isto permite esclarecer a contradição real entre o programa invariante e as teses teóricas dos comunistas, sempre em desenvolvimento, contra as quais os formalistas se chocam (invariância do programa teórico de Marx e Engels) assim como os inovadores e revisionistas de todo tipo. O proletariado não tem e nunca teve pátria. Na realidade, o proletariado só atua como classe lutando contra a exploração, contra "seus próprios" burgueses e contra "seu próprio" Estado. Esta prática conforma uma verdadeira comunidade de luta internacional e internacionalista que a vanguarda comunista objetiva centralizar efetivamente: este é e sempre foi um aspecto central do comunismo. Marx não inventou o programa comunista, apenas expressou um nível de apropriação do mesmo. A esquerda comunista, em todo o mundo, em princípios do século, na luta contra a guerra imperialista, tampouco inventou nada, mas sintetizou, em teses, em palavras de ordem, em diretivas precisas, a realidade do movimento comunista. Nossa tarefa é exatamente a mesma, estas teses (7) refletem um passo a mais nesse esforço coletivo, impessoal, internacional, do programa comunista se afirmando de geração em geração. Por tudo que foi explicado, estas teses, que guiam e guiarão a atividade consciente e organizada de nosso pequeno grupo, não são nossa propriedade (não reclamamos a paternidade das mesmas), mas uma expressão sintética da experiência acumulada de nossa classe, de nosso partido, através da história e só a eles pertence.

Diversos textos, publicados em nossas revistas centrais e territoriais (em espanhol, em francês, em inglês, em árabe, em português, em alemão), desenvolvem e explicam estas teses e fundamentam seu processo de apropriação histórica. Por isso publicamos, num anexo separado destas teses, um sumário comentado dos principais textos publicados em espanhol até hoje. Neste sentido, é importante ressaltar que, embora sobre algumas questões haja um nível de elaboração superior às poucas linhas que sobre elas existe nas teses, num grande número de linhas o trabalho é totalmente incipiente, o que fica por fazer é enorme (é uma evidência que esse trabalho revolucionário só poderá ser acabado pela efetivação da revolução social mundial). Repetimos, estas teses não são um "ponto de chegada místico", mas nossas teses de trabalho, uma síntese de nossa práxis sobre cuja base nosso trabalho prossegue. De todas as maneiras, deixamos aos paranóicos da política a crença mistificadora de que um texto possa constituir uma garantia contra os desvios, tradições, cisões... A única garantia que temos se encontra na globalidade de nossa implicação, em nossa adesão não a um grupo, ou a um "partido", ou a um chefe... mas ao comunismo, ao movimento real de abolição de tudo o que nos faz estranhos a nós mesmos. Mas, dialeticamente, este movimento só existe quando se centraliza, se organiza, se disciplina, se dirige, numa palavra, quando se constitui em Partido.

A organização, preparação, estruturação, direção deste partido é a obra impessoal de frações, grupos, militantes, que assumem desde sempre o trabalho de formação internacional de quadros revolucionários e a preparação da direção mundial da revolução comunista.

Nossa preocupação central, desde a formação do GCI, foi e é assumir, de acordo com nossas limitadas forças e do estado do movimento comunista, todas as tarefas e necessidades deste movimento. O que caracteriza praticamente os comunistas não é assumir esta ou aquela tarefa considerada, "visto o período", como a única realizável, para alguns, as "teóricas", para outros, as "propagandísticas", para outros, as "militares". Se assim fosse, os comunistas se diferenciariam do resto do proletariado por especializações totalmente parciais, tomando a cargo um número de tarefas menor que as do resto do movimento proletário.

A essência da práxis revolucionária é, pelo contrário, assumir todas as tarefas e necessidades do movimento e isto, claro está, tendo em conta a relação de forças e as prioridades que esta determina. Todas estas tarefas devem ser assumidas pondo sempre adiante os interesses históricos e mundiais do movimento, determinando-se não em relação a situações contingentes e imediatas mas sempre em relação à totalidade, ao comunismo. Esta é a linha histórica de reconstituição do Partido.

Se as expressões escritas da vida, da luta, foram sempre objeto da crítica efetuada pelos militantes (expressão lógica da dinâmica da vida sobre a coisa em que se fixa), convém mesmo assim recordar que a linguagem constitui em si mesma um véu produzido pela dominação do capital, através do qual é enormemente difícil fazer passar um conteúdo que escape de tal dominação: a contradição está sempre presente, ao se expressar um movimento através duma linguagem que só admite categorias fixas. Da mesma forma, o mesmo conceito pode expressar em línguas diferentes, dadas as realidades diferentes vividas pelo proletariado, conteúdos diferentes.

Tentando reduzir ao máximo possível essas lacunas, essas debilidades que sabemos apesar de tudo inevitáveis, elaboramos estas teses em quatro línguas diferentes para unificar as expressões da realidade que queremos transmitir. Isto produz, além de um estilo pesado, uma espécie de língua "impura", que reflete, além disso, o fato de que o próprio conteúdo dos conceitos definidos histórica e socialmente não tem para nós o mesmo significado que tem para o cidadão, nem mesmo para os mais "politizados" deles. Isso acontece, por exemplo, com termos como "partido", "proletariado", "classe", "democracia", "capital"; o que exige tomar como referência as diferentes contribuições que temos produzido sobre estes diferentes sujeitos.

Propomo-nos fazer um importante esforço na homogeneização de nossas revistas centrais, expressando um avanço na centralização de nosso esforço, principalmente com base em traduções as mais fiéis possíveis das principais contribuições realizadas nos diferentes idiomas. Para sublinhar esta tendência à homogeneização, e porque consideramos mais adequado, decidimos que de agora em diante todas as nossas revistas centrais adotem o mesmo título: "comunismo" (a revista central em francês "Le Communiste" passará então a se chamar, a partir do próximo número, "Communisme"). Com relação à continuidade, é suficiente recordar o que dizia Bordiga em 1953: "Para acompanhar a continuidade das contribuições de nosso trabalho, os leitores não devem se ater às mudanças de título dos periódicos, causadas por episódios derivados de uma esfera inferior. Nossas contribuições são facilmente reconhecíveis por sua indivisível organicidade. Assim como é próprio do burguês que toda mercadoria porte sua etiqueta de fabricação, que toda idéia traga a assinatura do autor, que todo partido se defina pelo nome do chefe; é claro que, no campo proletário, quando o modo de exposição examina as relações objetivas da realidade não pode se limitar nunca às opiniões pessoais de ridículos concorrentes, a elogios ou injúrias, ou às supérfluas competições desproporcionais entre pesos pesados e pesos leves. Neste caso, o juízo não está determinado pelo conteúdo mas pela boa ou má fé de quem expõe.

Nosso trabalho é duro e difícil e só alcançará seus objetivos se assumindo como tal e não recorrendo aos caminhos fáceis da técnica publicitária burguesa, à vil tendência de admirar e adular os homens". (Sul Filo del Tempo, 1953).

Então, nossas "Teses de orientação programática" não são uma "plataforma", no sentido reduzido, conformista e pretensioso pelo qual as diferentes seitas se autodefinem como o centro do mundo. O programa comunista não tem nada a ver com um texto bíblico que constituiria a garantia contra todos os desvios possíveis, a tábua de salvação à qual se deveria agarrar para salvaguardar a pureza virginal. Assim, mistificou-se o termo "plataforma", tentando fazê-lo passar por sinônimo de "programa comunista" (como se este pudesse ser reduzido a um texto, seja qual for!), e pretendendo que o mesmo devesse não somente ser a garantia formal para o futuro, mas também - pretensão das pretensões - conter as respostas para todas as questões colocadas pelas lutas proletárias. Foi contra esse fetichismo das plataformas, dos "programas", que Marx, há mais de um século, disse que um passo a frente do movimento real era mais importante do que uma dezena de programas.

A todos os fetichistas das plataformas e dos partidos ideais, a todos os invariantes do formalismo que crêem que não se desviarão uma polegada porque recitam uma plataforma ou repetem a frase de tal ou tal dirigente do proletariado (é fácil recordar a facilidade que têm para mudar de plataforma, de grupo, de prática, para insultar seus companheiros de ontem...), enfim, a todos que escondem seu miserável individualismo, seu sectarismo e seu federalismo atrás de discursos mirabolantes sobre o "partido" ideal ou a perfeição dos "quadros revolucionários", se baseando em citações de chefes do passado, opomos o que dizíamos há algum tempo em nossa revista central em francês: "Para nós, comunistas, o que nos interessa não é esta ou aquela citação... ou a referência a esta ou aquela posição tomada num momento preciso, senão, para além das expressões mais ou menos claras, compreender o conteúdo invariante, o fio vermelho que sempre liga o proceder dos comunistas: se situar do lado da luta proletária, contra todas as barreiras capitalistas. Para além da compreensão de um momento dado, para além das expressões formais, para além da consciência expressa em bandeiras ou textos operários, a verdadeira luta imediata da classe operária contra a exploração foi sempre - ontem, hoje e amanhã - antifrentista, antidemocrática, antinacional."

Apresentação de "Le Communiste" nº 6

Nosso inimigo, a relação social capitalista personificada pela classe burguesa, foi sempre o mesmo, nossas necessidades e nossas reivindicações foram também as mesmas: a luta contra a exploração, contra o aumento da intensidade e extensão do trabalho..., nossos métodos de luta, a ação direta (a violência e o terrorismo revolucionário), a organização fora e contra todas as estruturas do Estado burguês, a insurreição armada, a ditadura mundial do proletariado para a abolição do trabalho assalariado... foram sempre as mesmas. Esta é a verdadeira invariância, é a esta real continuidade orgânica entre as frações comunista de hoje e de ontem, que queremos, através destas "teses de trabalho", contribuir.

* Grupo Comunista Internacionalista - 1989 *

Notas

1. Devemos assinalar aqui que esta afirmação geral aplicamo-la antes de tudo a nós mesmos e ao próprio trabalho de confecção destas teses. Assim, esse longo e difícil trabalho coletivo internacional (que continuamos e continuaremos) permitiu em nosso pequeno grupo a centralização internacional de uma polêmica e a cristalização de um conjunto de divergências decisivas, que em muitos casos acabaram em saídas, em exclusões etc. Apesar das duras fases de virulência na polêmica, de enfrentamentos internos e públicos de posições, a centralização da mesma a partir de um conjunto de estruturas internacionais internas permitiu não só uma maturação programática de nosso grupo mas também uma separação muito mais clara com relação a todos os herdeiros de esquerda da social-democracia. Neste sentido e apesar do desgaste de forças militantes que essa polêmica significou, não apenas a consideramos indispensável e frutífera para a formação de nós mesmos como militantes, mas também para a delimitação muito mais precisa de nosso movimento com relação a todos os partidos e ideologias burguesas para o proletariado.

2. Tratamos de expressar aqui, com todas as dificuldades que a linguagem lógica formal e burguesa apresenta, na forma mais precisa possível a questão do sujeito da revolução, e ao mesmo tempo nosso conceito de comunismo, que para nós não é nenhum ideal a aplicar, senão o movimento de destruição da sociedade do capital e a sociedade que resulta dessa negação prática. Assim, contrariamente ao que crê o idealista, o verdadeiro sujeito da revolução não é o indivíduo genial com sua consciência e sua vontade; não é tampouco o grupo de militantes, apesar de sua ação como direção história ser decisiva, mais ainda nem sequer é o proletariado inteiro como grupo de operários. É somente o proletariado enquanto força constituída, enquanto Partido, enquanto centralidade orgânica comunista que destrói a ordem estabelecida. Não é tampouco a direção que faz do proletariado "sindicalista" uma força revolucionária, como crê o socialdemocrata, mas, pelo contrário, é o proletariado como força revolucionária (não no sentido imediato mas no histórico, não no sentido contingente ou local, mas geral e internacional) o que determina a criação de uma direção revolucionária. Enfim, e embora resulta mais chocante para a ideologia dominante, dado que nos situamos num nível de abstração superior: não são os comunistas ou o proletariado quem faz do movimento social um movimento comunista, mas, pelo contrário, é o comunismo enquanto movimento histórico, que encontra, pela primeira vez na história, no proletariado uma classe verdadeiramente revolucionária para impô-lo como negação efetiva, é o comunismo que coopta os historicamente mais decididos da classe, aqueles que sempre põem à frente os interesses do conjunto do proletariado... como direção do partido e a revolução por vir.

3. "E enfim, enquanto a burguesia de cada nação conserva ainda interesses nacionais particulares, a grande indústria cria uma classe cujos interesses são os mesmos em todas as nações e para a qual a nacionalidade já foi abolida". Marx e Engels, "A Ideologia Alemã" (sublinhado pela redação).

4. Observe que o próprio Bernstein, que é o revisionista por excelência, sempre que pode encontrar uma argumentação para isso, prefere dizer que é a sociedade que mudou e não Marx que seja equivocado.

5. A citação é textual; MEW tomo XXXVIII ps. 176 e 188.

6. Um bom número de organizações marxistas-leninistas realizou a revisão precisamente tomando estas frases como as essenciais, o que lhes permite, assim, traficar a teoria até o ponto de justificar o nacionalismo.

7. Poderia-se dar o mesmo tipo de desenvolvimento exemplar com cada uma das teses centrais do programa comunista (negação do Estado burguês, negação da democracia, negação do valor, negação do frentismo...) pondo em evidência a contraposição entre a atitude dos comunistas, suas teses sucessivas e o revisionismo descarado ou não contra elas.
 

Teses de Orientação Programática

1.

Os gigantescos problemas que hoje a humanidade enfrenta, exploração, miséria, guerras, fome, trabalho alienado, desemprego em massa... só podem ser enfrentados e compreendidos se, em vez de isolá-los, os tomarmos em sua dinâmica de conjunto, como inerentes e necessários ao progresso e à barbárie da sociedade mundial do capital, e esta como a última sociedade de classes da história; ou seja, se tomarmos esta sociedade transitória como parte do arco histórico que vai desde as comunidades primitivas até o comunismo, como momento de um processo que engendra as condições materiais de instauração da sociedade comunista mundial. O comunismo não será o fim da história humana, mas, pelo contrário, o começo, enfim, da uma história verdadeiramente humana resultante da abolição da propriedade privada, das classes sociais, do Estado... E constituída em comunidade universal.

2.

A comunidade primitiva foi destruída por seus próprios limites. O homem, ao produzir as condições de sua própria sobrevivência - reprodução ampliada -, desenvolveu suas necessidades e ultrapassou o estreito quadro daquela comunidade limitada. A troca entre comunidades (a troca de mercadorias começa onde as comunidades terminam) vai pouco a pouco subsumindo-as e revolucionando sua realidade interna; operando a separação entre a utilidade dos objetos para as necessidades imediatas - o valor de uso - e sua utilidade com vistas à troca - base em que se desenvolverá o valor de troca - até provocar sua dissolução histórica e o começo do ciclo do valor.

3.

Se considerarmos o resultado imediato deste processo, o mundo fica dividido num número muito grande e variado de sociedades, cada uma com um modo de produção imediato diverso: escravista, asiático, germânico etc. Se, pelo contrário, considerarmos este processo do ponto de vista de seu resultado superior: o desenvolvimento do dinheiro até sua transformação em capital mundial - condição necessária para a instauração do comunismo - vemos historicamente, desde muito cedo, no mundo antigo (pré-capitalista no estrito sentido da palavra; ou seja, de preexistente ao capitalismo), a existência do comércio itinerante e do capital usurário, cujo desenvolvimento contém todos os pressupostos do capital mundial e da subsunção em seu ser de todos os modos imediatos de produção preexistentes.

4.

Em todas as formações sociais anteriores à era capitalista, apesar da estreiteza das determinações políticas, nacionais, religiosas etc., o homem se apresenta sempre como o objetivo da produção e a troca nada mais é do que um meio. Na produção mercantil generalizada, em contraposição a todas as sociedades pré-capitalistas, o enriquecimento se transforma no objetivo supremo, o dinheiro passa a ser o fim e sua acumulação a determinação que predomina frente a todas as outras (dinheiro como meio de troca, de circulação etc.) e, depois de um longo processo, termina por se constituir no único ser comum dos homens, a única comunidade que os unifica. O próprio desenvolvimento da troca força o capital a conquistar a produção, fazendo da produção o objetivo do homem e do enriquecimento o objetivo da produção.

5.

Este processo histórico de transformação do dinheiro em capital é, ao mesmo tempo, o processo de concentração e centralização internacionais do capital e de separação do produtor de suas condições objetivas de produção (criação do trabalhador livre por meio do terrorismo de Estado), ou, dizendo de outra forma, da expropriação violenta de todos os produtores, que, privados dos meios de reproduzir sua vida, são obrigados a se transformar em escravos assalariados. Ao subsumir mundialmente todos os modos de produção anteriores e desenvolver as condições materiais de sua própria destruição, o capitalismo se constitui numa sociedade que nada mais é do que uma simples forma de transição para uma sociedade sem classes, para toda a humanidade, ou seja, na última fase do ciclo das sociedades de classe. É por isso que sua destruição marca o fim da pré-história da humanidade.

6.

O capitalismo se diferencia de todos os modos de produção que o precederam por sua essência universal, condição de unificação de toda a humanidade, e pela simplificação/exacerbação das contradições de classes: a sociedade se encontra dividida em dois grandes campos inimigos, em duas classes que se enfrentam diretamente: a burguesia e o proletariado.

Desenvolvendo-se, o capitalismo desenvolve as condições de sua própria supressão: não só criando as armas que o varrerão do planeta como - também e principalmente - produzindo e concentrando os homens que empunharão essas armas: o proletariado.

7.

O proletariado é o herdeiro de todas as classes exploradas do passado porque suas condições de vida são o paroxismo da inumanidade das condições de vida de todas as classes exploradas do passado, concentrando nele todas as causas profundas das lutas daquelas classes. Mas, diferentemente do que sucede com o proletariado, aquelas classes não tinham um projeto social próprio e suas lutas estavam materialmente impossibilitadas de superar o quadro de simples reações, a-histórica e utopicamente tendentes a reconstituir a velha comunidade perdida. Com o proletariado, a luta secular contra a exploração, contra a desumanização do homem, contra a subordinação da vida humana à ditadura do valor é assumida pela primeira vez na história por um sujeito revolucionário, ou seja, com um projeto social próprio, válido para toda humanidade e em ruptura total com a civilização do progresso: a destruição do capital e portanto das classes, da exploração, da propriedade privada, de todo Estado... e a instauração do comunismo. Esta luta, portanto, não é somente uma reação de classe explorada, mas - também e principalmente - ação de uma classe revolucionária historicamente forçada a assumir seu programa e a se constituir em partido comunista mundial (dirigente da práxis no sentido mais global deste conceito).

8.

As classes não existem antes e depois atuam; não se definem em si mesmas (pela "produção" e pela economia) e depois "lutam" ("fazem política"); mas, pelo contrário, só existem como forças orgânicas contrapostas. Elas se definem, pois, na prática, por seu movimento de oposição e luta inerente às relações de "produção" e aos interesses antagônicos que elas implicam. "Produção" não no sentido imediato, referente à exclusiva produção de coisas, mas no sentido global de reprodução da espécie, de reprodução da exploração, de reprodução de dois campos inconciliáveis: exploradores e explorados, de reprodução da propriedade privada e de uma massa sempre crescente de seres - privados, pela propriedade de outros, de todos os meios necessários para reproduzir suas condições de existência -, enfim, reprodução sempre exacerbada do antagonismo entre proprietários, defensores do mundo da propriedade privada, e aqueles cuja própria existência se contrapõe em toda sua vida prática a esse mundo. Assim, pois, burguesia e proletariado se definem pelo mútuo antagonismo: a burguesia como personificação das relações de produção capitalista, como partido da conservação, como força reacionária; o proletariado como negador de toda sociedade presente, como partido da destruição e portador do comunismo.

9.

A contradição própria à sociedade burguesa está presente no capital, que subsumiu toda a humanidade. O capital só realiza sua própria essência - enquanto valor que se valoriza -, desenvolvendo, revolucionando, as forças produtivas, o que reduz o tempo de trabalho socialmente necessário à produção de todas as mercadorias ou, em outras palavras, provoca a desvalorização geral (de todos os produtos, da força de trabalho, de todo capital produtivo...). Isto é, o ponto de partida e o objetivo da produção (a autovalorização do capital) entram em contradição insuperável com os meios para isso (revolução das forças produtivas = desvalorização). Isso se manifesta, em cada crise, pela destruição em massa das forças produtivas, evidenciando o caráter invariavelmente reacionário das relações de produção capitalistas e torna explosiva a contraposição com elas (contraposição que só o proletariado revolucionário pode levar a suas últimas conseqüências).

10.

O capital, impossibilitado de suprimir a anarquia econômica - que é a sua própria lei - e o proletariado - portador do comunismo -, pois é o único produtor de valor, sem o qual não pode existir, busca o aumento da valorização de cada capital particular, mas isto só se realiza diminuindo o ritmo de valorização geral, o que se traduz em fases de expansão cada vez mais potentes inevitavelmente concluídas por crises cada vez mais profundas e brutais que põem em questão, econômica, social, ideológica e politicamente, a própria existência de todo o sistema social capitalista.

11.

A democracia nasce da dissolução da comunidade primitiva, do desenvolvimento da troca, da mercadoria, da propriedade privada, da sociedade de classes, da geração histórica do indivíduo... da separação do homem com relação ao homem, na produção de sua vida. Seu desenvolvimento é o desenvolvimento da ditadura do valor sobre as necessidades humanas, é o desenvolvimento do terrorismo de Estado contra as classes exploradas. Com a dominação total do valor se valorizando, do caráter fetiche da mercadoria - o terrorismo capitalista -, a democracia chega ao seu apogeu. Não se trata de uma esfera particular, ou de mera forma de dominação, mas da essência invariante que, atomizando e unificando com bases fictícias, perpetua a sociedade do capital. A democracia subsume todos os aspectos da vida, nega praticamente a existência de classes com interesses irremediavelmente antagônicos para afirmar a única comunidade que lhe é própria: a comunidade do dinheiro, que reproduz o indivíduo-cidadão-livre concorrente-homem nacional, cujo corolário é o povo, enquadrado pelas estruturas partidárias e sindicais constitutivas do Estado.

12.

Os direitos e liberdades democráticas nada mais são do que a codificação jurídica das relações sociais capitalistas, que põem os homens em relação enquanto vendedores e compradores de mercadorias em geral e em particular da força de trabalho (codificação, pois, dessa negação prática do proletariado enquanto classe). Os proprietários de mercadorias se encontram como sujeitos jurídicos livres e iguais. Mas essas relações de liberdade e igualdade entre proprietários nada mais são do que a relação reificada entre burgueses e proletários, uns enquanto proprietários exclusivos dos meios de produção, outros como privados de tudo, exceto de sua força de trabalho. O reino da propriedade privada para a burguesia se traduz no reino da privação total para o proletariado. Os direitos e liberdades democráticas - enquanto mecanismos ideológicos que asseguram e afirmam realmente a atomização do proletariado em cidadãos livres para vender sua força de trabalho, que só encontrarão comprador se o capital dela necessitar para se valorizar -, ao mesmo tempo que impõem a livre e mútua concorrência entre proletários, obrigando-os a cuspir cada vez mais sangue e valor ou morrer de fome, são instrumentos de coerção, violência e despotismo, e constituem uma arma essencial da democracia, isto é, da dominação burguesa.

13.

As ideologias burguesas - expressões da limitada compreensão da burguesia, cujo horizonte não vai além de seu próprio sistema de exploração - camuflam permanentemente a verdadeira dimensão da polarização da sociedade entre burguesia e proletariado. A burguesia parte de seu ponto de vista democrático para explicar a democracia com um enfoque imediatista e a-histórico, ocultando o caráter transitório de seu modo de produção e, em especial, escondendo a única força revolucionária capaz de suprimir esta sociedade: o proletariado. O proletariado, pelo contrário, não teme o devir histórico e, por isso, não exibe ideologia de nenhum tipo. Afirma sua ditadura de classe como negação de todas as classes e como processo de autonegação. Seu próprio ser é a negação da sociedade capitalista, cuja catástrofe o força a se constituir em força internacional que destruirá o capital, com todas as suas ideologias.

14.

O próprio desenvolvimento da democracia se encarrega de esconder a magnitude atual da simplificação/exacerbação das contradições do capitalismo, tentandoapagaras fronteiras de classe. É o que se vê, confirmado por formas ideológicas específicas que promovem a confusão mais completa, com base num conjunto de estatutos formais ou jurídicos complexos que dividiriam a sociedade, não em duas classes antagônicas, mas em inumeráveis categorias mais ou menos vagas e elásticas.

Assim, por exemplo, num pólo da sociedade, um conjunto de formas jurídicas pseudo-salariais tendem a camuflar a natureza burguesa das estruturas do Estado. É o caso, por exemplo, dos oficiais do exército ou da polícia, dos altos quadros empresariais, da administração ou de burocratas de todos os tipos, que, sob tal cobertura, são classificados como categorias neutras, sem pertencer a uma classe ou, pior ainda, assimilados a "camadas operárias".

No outro extremo da sociedade, produz-se outro tanto. Por exemplo, um conjunto de formas jurídicas de pseudo-proprietários - "campesinato", cooperativas, comércio ambulante, reformas agrárias, artesãos... camuflam objetivamente a existência de imensas massas de proletários associados pelo capital para produzir mais-valia (regime salarial disfarçado). Estes e outros mecanismos ideológicos tendem a nos apresentar como opostos e com diferentes interesses os diversos setores do proletariado: urbanos/agrícolas, ativos/desempregados, homens/mulheres, operários/funcionários, trabalhadores manuais/trabalhadores intelectuais...

Este complexo processo ideológico contribui para manter o regime de exploração e de opressão burguês, ao dissimular e tornar difuso o nosso inimigo e apresentar dividida, debilitada numericamente, a nossa classe. Todo o segredo da perpetuação da dominação burguesa pode se resumir na dificuldade do proletariado para se reconhecer a si mesmo, para reconhecer, na luta de seus irmãos de classe em qualquer parte do mundo e seja qual for as categorias em que a burguesia os divide, sua própria luta, condição indispensável para sua constituição em força histórica.

Por sua vez, este ciclo infernal se rompe nas sucessivas expressões da catástrofe do sistema capitalista, pela própria luta do proletariado, por sua generalização e a tendência a coincidir no tempo, que põem à mostra, de maneira cada vez mais inquestionável, a afirmação de uma mesma negação (determinada, para além da consciência dos protagonistas - limitada sempre às minorias comunistas -, pelos mesmos interesses e o mesmo projeto histórico) da sociedade capitalista como totalidade.

15.

Durante a crise revolucionária, as duas classes se unificam frente à que lhe é antagônica. Do lado da burguesia, apesar das intermináveis lutas entre suas diferentes frações para afirmar interesses particulares na repartição dos meios dos meios de produção e dos mercados, desde que aparece o proletariado em armas e o espectro do comunismo se faz presente, todas as rivalidades interburguesas passam a segundo plano, cedendo lugar à burguesia mundial, reagrupada em torno da fração mais coerente, mais forte, mais decidida e capaz de enfrentar melhor a guerra de classes. Esta forma geral da contra-revolução de enfrentar seu inimigo de classe, não exclui em nada sua combinação com outras formas particulares, incluída a repolarização da sociedade em dois bandos burgueses, nos quais se procura enquadrar o proletariado. Com efeito, as sucessivas contra-revoluções confirmam a flexibilidade da burguesia para alternar a unificação com a polarização interna, e até para se unificar na defesa de uma polarização interburguesa (polarização falsa, em relação à de classe contra classe) que enfrenta a revolução.

De sua parte, o proletariado, rompendo as cadeias da concorrência e se associando em sua luta contra o inimigo histórico, se afirma como força e como Partido se centralizando em torno das frações mais coerentes, mais fortes, mais decididas, ou seja, com maior capacidade de enfrentar o capital. Embora seja indubitável que neste sentido há setores estratégicos do proletariado, vista a sua capacidade de paralisar os centros decisivos da acumulação do capital (pólos de acumulação capitalista, grande indústria, mineração, transportes, comunicações...), nem sempre estes são os mais decididos ou os que mais asseguram a generalização da revolução. Outros setores como, por exemplo, os desempregados em geral ou, em particular, o proletariado jovem que não encontrou ou sabe que não encontrará comprador para sua força de trabalho (setor camuflado muitas vezes sob a denominação aclassista de "jovens" ou "estudantes") podem ter um papel decisivo no salto de qualidade do movimento que implica a ruptura com o estreito quadro da empresa, impulsionando a ida e a ocupação da rua, a generalização efetiva, a passagem para o associacionismo territorial, frente ao qual a burguesia já não pode oferecer a reforma parcial e categorial e que forçosamente coloca a questão geral do poder da sociedade. Mas esta formidável energia revolucionária não é uma força no sentido histórico do termo sem se constituir em Partido centralizado (sem o qual será dilapidada, destruída ou inclusive recuperada pela contra-revolução). Mas só pode se constituir em partido centralizado afirmando um programa integralmente comunista e se dando uma direção revolucionária. E, por sua vez, o programa e direção comunistas não são o resultado imediato do movimento, por maior que seja sua energia revolucionária, mas o resultado de toda a experiência anterior acumulada, transformada em força viva, em órgão de direção do Partido e da revolução, por uma longa e dura luta histórica, consciente e voluntariamente assumida pelas frações comunistas.

16.

O desenvolvimento do capitalismo, que engendra o desenvolvimento de seus coveiros históricos, determina ao mesmo tempo as condições essenciais da luta destes. Não na medida em que a luta do proletariado é igual ou similar à da burguesia, mas na medida em que gera as próprias condições em que essa luta se desenvolve e a determina como sua antagônica, fazendo da revolução proletária uma revolução única e diferente de todas as precedentes.

17.

Assim, o capitalismo engendra uma classe revolucionária, que ao mesmo tempo é explorada, configurando uma realidade que não tem precedentes na história: nenhuma classe revolucionária do passado, isto é, com projeto social próprio, foi ao mesmo tempo explorada.

18.

Assim, a sociedade burguesa desenvolve uma esfera particular (o proletariado) que é em si mesma a negação de toda esfera particular, uma classe forçada a se constituir como tal, e a se transformar em classe dominante para a abolição de todas as classes. Portanto, o proletariado constitui um ser cuja plenitude de realização é a sua auto-supressão. Enquanto as classes revolucionárias do passado se afirmavam como poder e esfera particular para instaurar uma nova forma de dominação e, na defesa da mesma, se consolidavam como forças reacionárias, o proletariado se afirma como classe para eliminar toda dominação, toda exploração, todo Estado.

19.

Assim, o caráter mundial do capitalismo engendra o proletariado como classe mundial, sem nenhum interesse regional, setorial, nacional a defender. Pelo contrário, a burguesia não somente realizou sua revolução afirmando seus interesses particulares, mas sua própria essência (a concorrência) a impele permanentemente a opô-los brutalmente entre si, enfrentando-se em todos os níveis na repartição dos meios de produção e mercados. A unidade entre burgueses (sociedades anônima, acordos monopolistas, Estado nacional, bloco de Estados... Estado mundial) se faz sempre para enfrentar em melhores condições a guerra comercial e/ou a guerra de classes, voltando a se despedaçar a cada instante nas suas diferentes frações particulares. Daí que por mais unificada que seja, a ação da burguesia contém sempre a divisão; que toda a paz é prelúdio de uma guerra. No proletariado, pelo contrário, toda ação, por mais parcial que esta seja, contém a universalidade, isto é, por mais limitada que seja, regional ou setorialmente, a ação desta classe contra o capital contém a afirmação dos interesses únicos do proletariado em todas as partes do mundo e a luta pela revolução social universal.

20.

Estes elementos fundamentais e inseparáveis (que apresentamos à parte só por razões de clareza expositiva) constituem a essência da luta revolucionária do proletariado e determinam a totalidade do conteúdo de sua ação. É com esta base que os elementos mais decididos da classe se organizam e resolvem os enormes problemas que a luta colocou, coloca e colocará. Toda decisão tática deve necessariamente ser extraída deste conjunto estratégico invariante, como unidade indissociável da totalidade do movimento, seus objetivos e seus métodos. Toda tática que se separa desses fundamentos, é, no melhor dos casos, um erro da classe operária e, na maioria deles, instrumento da política contra-revolucionária do capital.

21.

O programa comunista nada mais é do que o conjunto de conseqüências práticas dessas determinações do antagonismo social e de seu desenvolvimento até a revolução proletária mundial e a instauração do comunismo como sociedade. No entanto, a realidade precede a consciência que os homens têm dela e, por isso, a formalização desse programa, longe de poder ser alcançada num único momento histórico, é o resultado sucessivo do conjunto de convulsões sociais. Cada fase da revolução e da contra-revolução (cada vez mais profundas até a revolução mundial), permitem uma melhor compreensão das conseqüências das determinações essenciais da luta revolucionária ou, melhor dizendo, permitem precisar teoricamente, de forma cada vez mais acabada e taxativa as implicações já contidas praticamente naquelas determinações invariantes.

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A continuação de nossa exposição se realiza com esta base, ou seja, retomando primeiro as formulações mais gerais de nosso programa, para depois, com base nas necessárias lições extraídas dos mais altos níveis das fases de revolução e contra-revolução, atualizar e precisar sua real significação.

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22.

O objetivo do proletariado, e portanto dos comunistas, é (como o estatuto da Liga dos Comunistas, em 1847, já estabelecia): "A derrubada da burguesia, a dominação do proletariado, a abolição da velha sociedade burguesa baseada nos antagonismos de classe." Ou : "O programa de nosso partido... não é unicamente socialista em geral, mas diretamente comunista, isto é, um partido cujo objetivo final é a supressão de todo Estado e, por conseqüência, da democracia." - como concretizará Engels.

23.

Isso implica, necessariamente, a constituição do proletariado em classe e por isso em Partido Mundial, ou seja, em força orgânica e centralizada contraposta a toda ordem social constituída. A organização do proletariado em classe tende permanentemente a ser socavada pela concorrência que os operários travam entre si, como vendedores livres e iguais da mercadoria força de trabalho. Um conjunto de forças ideológico-político-militares cimenta esta atomização na qual repousa a paz social, a ordem burguesa. Nestas condições, apesar de ser, por sua própria essência, o irreconciliável e ameaçador adversário da burguesia, o proletariado tem apenas um obscuro sentimento de seu antagonismo social com a ordem capitalista e tende a se transformar em seu apêndice político, aparecendo diluído (anulado como classe) no povo. Neste terreno, florescem as frentes democráticas, as unidades nacionais, as frentes populares ou de libertação nacional, o nacional socialismo ou o socialismo nacional... que levam a negação burguesa do proletariado como classe a seu nível superior até o massacre dos proletários na guerra capitalista.

24.

Mas os antagonismos de classe voltam inevitavelmente a se manifestar e o proletariado ressurge como classe, como partido, mais forte, mais firme, mais decidido, revelando que, por sua própria essência, sua existência só é possível excluindo toda frente, toda aliança entre classes. Inclusive, na época da denominada "revolução" burguesa, o proletariado se afirma como classe procurando organizar por sua própria conta o terror revolucionário e sua ditadura de classe, programa frente ao qual mesmo as frações mais "progressistas" da burguesia retrocedem aterrorizadas, dobrando-se aos setores mais "reacionários" da sociedade e afirmando conjuntamente o canibalismo, o terror contra-revolucionário.

De fato, em mais de uma ocasião, a luta do proletariado coincidiu no tempo e no espaço, ao enfrentar um mesmo inimigo, com a de alguma fração da burguesia (luta contra os "inimigos de seus inimigos", como Marx a chamava). Porém, somente enquanto coincidência parcial, limitada, política, pois a contraposição social a seus exploradores é permanente. Por isso, cada vez mais esta mesma luta levou o proletariado a se afirmar inevitavelmente como força autônoma, ameaçando a burguesia em seu conjunto e obrigando todas as frações do capital a assumir a mesma política de terrorismo contra-revolucionário.

25.

O capitalismo, como sistema mundial, ao desenvolver o proletariado como classe mundial, possibilita o comunismo na escala do planeta e, ao mesmo tempo, determina os aspectos programáticos essenciais quanto à extensão da revolução e ao caráter dos órgãos do proletariado:

26.

Os proletários não têm pátria, não se lhes pode tirar o que não possuem. Toda defesa da "nação", seja qual for o pretexto, constitui na realidade uma agressão contra a classe operária mundial. Sob o domínio da burguesia, todas as guerras são guerras imperialistas (o proletariado reivindica uma única guerra, a guerra social contra toda burguesia) que opõem duas ou várias frações ou blocos de interesses do capital mundial e, independentemente das intenções imediatas dos protagonistas, têm como função essencial a de afirmar o capital e destruir objetiva e subjetivamente a classe revolucionária desta sociedade. Por isso, mais do que "simples" guerras entre Estados nacionais, entre "libertadores da pátria e imperialistas", entre potências imperialistas, elas são em sua essência guerras do capital contra o comunismo. Face a todas as oposições interburguesas entre frações "progressistas e reacionárias", "fascistas e antifascistas", de "esquerda" e de "direita", que encontram na guerra imperialista sua continuação lógica, o proletariado tem uma única resposta possível: a luta intransigente por seus próprios interesses de classe, contra todo sacrifício, trégua e solidariedade nacional, é derrotismo revolucionário, apontando as armas contra seus próprios exploradores e opressores imediatos, com a finalidade de transformar, pela centralização internacional desta comunidade de luta contra o capital, a guerra capitalista em guerra revolucionária do proletariado mundial contra a burguesia mundial.

27.

A divisão ideológica do mundo em três - capitalista", "socialista" e "subdesenvolvido ou terceiro mundo" -, produto da derrota do proletariado, tende a se consolidar e perpetuar, ao destruir a unidade orgânica de interesses e objetivos do proletariado internacional. Mesmo quando é usada "inocentemente", como "simples descrição da realidade", tal divisão contém de fato essa destruição, dado que, seja como for, inclui sempre o pressuposto ideológico de que o proletariado teria diferentes tarefas em cada um desses "mundos". Apoiando - de modo conseqüente ou não - a necessidade de aprofundar a democracia no "primeiro mundo" ou de lutar pelo socialismo nos "países desenvolvidos"; a necessidade das reformas políticas (ou da "revolução política") no "segundo mundo" e a necessidade das tarefas democrático-burguesas e a libertação nacional no "terceiro", essa ideologia conduz irremediavelmente o proletariado a se negar como classe internacional e, na prática, a participar, sob qualquer pretexto, nas diferentes lutas entre frações e guerras capitalistas pela divisão do mundo.

28.

As lutas de libertação nacional, as guerras populares antiimperialistas... nada mais são do que uma expressão particular dessa ideologia que tende a usar o proletariado como bucha de canhão da guerra capitalista. O imperialismo não é um fenômeno particular dessa ou daquela potência, de tal ou qual Estado, é um fenômeno inerente e invariável do próprio capital: cada átomo de valor se valorizando contém todos os pressupostos do terrorismo imperialista. Por isso toda a burguesia é imperialista e na prática está indissociavelmente interligada, não só através da participação direta em sociedades anônimas e no capital financeiro, mas por milhares de acordos implícitos e explícitos com as frações mais poderosas do capital mundial. Frente a essas lutas, o proletariado, que continua sua luta  contra seus exploradores, é acusado de indiferente e sabotador, e nisso se pode ver somente  a coerência do capital mundial. O proletariado não pode ser indiferente à sua exploração, e nem pode, sob qualquer pretexto, aceitar uma trégua com seus exploradores. A continuidade e o desenvolvimento dessa luta contra seus exploradores o conduz, pelo contrário, a coincidir com seus irmãos de classe em todo o planeta numa única comunidade de luta contra o capital mundial, base sobre a qual se erguerá a organização internacional e internacionalista do proletariado.

29.

Pelo exposto na tese 11, o comunismo, em todo o seu desenvolvimento histórico, assim como em seu objetivo, é a contraposição viva da democracia (com seus direitos, seus cidadãos, suas organizações...), e sua realização supõe a eliminação de todas as divisões mercantis nas quais a democracia se sustenta e, portanto, a supressão de toda a democracia.

Portanto, em qualquer fase de sua luta, o proletariado, ao aceitar a democracia - seja como frente (aliando-se a uma fração considerada mais "democrática", "antifascista" ou "antiimperialista"), seja como objetivo transitório (luta pela conquista dos direitos democráticos), seja como princípio de sua própria organização (busca de garantias políticas nas votações, assembléias, maiorias, congressos etc.), seja, enfim, como objetivo final ("a constituição de uma sociedade verdadeiramente democrática") -,  renuncia não só objetiva e totalmente aos seus fins, à sua própria constituição em Partido, prefiguração da comunidade humana mundial, mas também (e inseparavelmente) à sua própria formação como proletariado, a seus próprios interesses e a si mesmo.

Em todos esses casos, ele se nega como classe, afirmando seus opressores, se exclui como (o único que pode ser) força antagônica à ordem existente, dissolvendo-se no cidadão:

30.

A democracia "operária" (ou seja, "o governo do povo operário") nada mais faz a não ser tentar manter todas as mediações próprias do capital (entre política e economia, entre homem e sociedade...) substituindo o culto do parlamento, das liberdades dos indivíduos atomizados, pelo dos "sovietes democráticos", dos "sindicatos livres", das "assembléias gerais soberanas", do "operário livre", o que, do ponto de vista do conteúdo, é exatamente a mesma coisa. O sujeito não é uma classe subversiva com um programa e uma direção revolucionária, mas o indivíduo livre - seja ele operário ou não. Ao mito aclassista do cidadão, do povo, da nação, na versão "democrático burguesa", corresponde este outro, aclassista e burguês como aquele, dos "operários", das "massas proletárias" (definidas sociologicamente), da "maioria explorada", próprio da "democracia operária". Mais uma vez, a terminologia "operária" só serve para esconder e fazer passar o substrato da sociedade capitalista como se fosse uma conquista operária.

31.

A separação social-democrata entre "luta econômica" e "luta política", "luta sindical" e "luta socialista", "luta reivindicativa e luta revolucionária", "luta imediata e luta histórica" é o método burguês - já clássico - de parcializar e liquidar as lutas proletárias. Uma organização proletária que adote esta falsa diferenciação, semeia a confusão nas filas do proletariado e contribui - seja qual for sua vontade - para manter a desorganização, desorientar o movimento e alterar a concepção revolucionária da guerra de classes. Confundir o movimento social com a bandeira que flutua sobre a cabeça de seus protagonistas, as reformas do capital propostas com o proletariado afirmando seus interesses e reivindicações, é criminoso, é aceitar como real a tradução, em termos burgueses, efetuada por sindicalistas e social-democratas. E isso durante toda a história do proletariado.

Embora a luta do proletariado volte a começar diversas vezes, com base em negações parciais, luta contra o aumento de preços, luta pela redução e contra o aumento da extensão da jornada de trabalho, e/ou luta contra alguma medida que lança massas de proletários no desemprego, contra qualquer outra medida econômica ou repressiva do Estado... esta luta é, por seu próprio conteúdo, uma luta contra o aumento da exploração (taxa de mais-valia) e contra a própria exploração. Cada uma e todas estas lutas, para o proletariado como classe explorada e revolucionária, são inseparáveis. Inseparabilidade que, por outro lado, se faz manifesta em situações de crise, quando a mínima reivindicação econômica proletária é um ataque direto contra a taxa de exploração (e de lucro do capital) e à sacrossanta competitividade da economia nacional, e quando o enfrentamento entre proletariado e os capitalistas associados no Estado se faz inevitável.

Claro está que o fato de que alguma bandeira burguesa flutue sobre o movimento, ou que alguma reforma do capital apareça como o "objetivo" da luta, não é apenas uma mentira burguesa. Embora às vezes seja, sobretudo quando numa parte do mundo os proletários recebem a informação, filtrada pelos meios de comunicação de massa, da luta em outra parte do mundo. Com efeito, se nos ativéssemos ao que eles dizem, a luta estritamente de classes teria desaparecido e todas seriam lutas nacionais, religiosas, raciais ou democráticas. Essa bandeira burguesa é uma força que reage sobre o movimento, debilitando-o. Desconhecer isto e não desenvolver uma luta consciente contra essa debilidade objetiva de nossa classe seria desconhecer que a ideologia dominante é a da classe dominante e que o movimento subversivo desta sociedade só pode se expressar pelo que realmente é (isto é, com palavras de ordem que explicitamente negam a sociedade atual, como por exemplo, "abolição do trabalho assalariado"), com base em suas frações de vanguarda necessariamente minoritárias durante todo o processo pré-insurrecional e, com toda segurança, imediatamente depois.

32.

Existe outro conjunto de dicotomizações social-democratas (como as de "economia" e "política", "teoria" e "prática") que em todos os casos dividem o processo revolucionário para liquidar e destruir sua unidade subversiva. Um caso especialmente notável dessa concepção é o da visão, que dela deriva, do modo de produção capitalista, segundo a qual ele se dividiria num período/fase "ascendente", "progressivo", de "dominação formal" etc., e outro "decadente", "reacionário", "imperialista", de "dominação real". O próprio desenvolvimento do capital é sempre sua maior reforma, suas constantes transformações e suas necessárias mudanças quantitativas e qualitativas (o valor deve se valorizar permanentemente), o que é marcado, não por duas fases antinômicas (ascendência-decadência), mas por uma sucessão de níveis (única base para uma periodização do capitalismo), na qual todas as contradições (entre as quais, a básica entre valorização e desvalorização) aparecem de forma cada vez mais exacerbada. Todas as teorias decadentistas que destroem a universalidade do modo de produção capitalista (no tempo e/ou no espaço) conduzem inevitavelmente a liquidar a invariância dos interesses e necessidades do proletariado revolucionário, negando em última instância que é ele, e só ele, o coveiro do velho mundo, o sujeito ativo da derrubada catastrófica do sistema, o que leva (também inevitavelmente) ao imediatismo, ao gradualismo, ao evolucionismo, ao fatalismo... destruidores de toda militância classista. É para isso que praticamente todas as teorias decadentistas conduzem (que, ademais, nada mais são do que simples teorias economicistas, ou seja, burguesas), independentemente do tipo de argumentação utilizado. Essas práticas reformistas que induzem todas as teorias decadentistas se expressam, por outro lado, justificando/reivindicando sistematicamente a posteriori toda a prática contra-revolucionária da social-democracia (enquanto globalidade histórica, que inclui também o anarquismo oficial), o que é realizado com o falacioso pretexto de que durante o chamado período "ascendente" o proletariado teria tido como objetivo não o comunismo, mas a luta pelas reformas (luta essencialmente burguesa), por sua integração como objeto econômico no sistema ("classe" para o capital).

Todas as teorias decadentistas se baseiam, pois, na idéia de que a burguesia faz de si mesma, na idéia do progresso, da evolução, da civilização... como se fossem neutros, aclassistas; como se o progresso sob a burguesia pudesse não ser progresso burguês (e o maior progresso burguês é sempre a guerra burguesa!), como se a evolução sob a burguesia pudesse ser mais do que a evolução da exploração burguesa. Segundo eles, a evolução, progresso, civilização etc. se desenvolveriam até uma certa data (e para, os mais conseqüentes, em certas áreas geopolíticas), até chegar a um certo máximo fatídico, justificado de diversas formas segundo as escolas (stalinistas, trotskistas, luxemburguistas...), a partir do qual começaria a declinar, a desmoronar "objetivamente", acompanhado pela decadência moral, artística etc. (ladainha que essas correntes têm em comum com as múltiplas seitas religiosas e fascistóides). Trata-se, portanto, de ideologias contra-revolucionárias que o proletariado em luta destruirá.

33.

O dualismo social-democrata e a ideologia da decadência, que negam o capital como todo orgânico, conduzem inevitavelmente a criar um conjunto de categorias ideológicas nas quais os herdeiros da social-democracia imaginam que o mundo se divide. Mas tais categorias, na medida em que se tornam ideologicamente dominantes, constituem poderosas armas de divisão do proletariado. Assim, às formas mais classicamente burguesas de categorização e divisão entre países, como por exemplo a divisão do mundo em três, que já mencionamos, ou a divisão de países entre "desenvolvidos ou subdesenvolvidos", "centrais" e do "terceiro mundo" se juntam outras mais sutis que no fundo cumprem o mesmo objetivo: confundir, fragmentar, dispersar e desorganizar o proletariado, apresentando-lhe diferentes projetos ou objetivos segundo a região. Particularmente perniciosa, neste sentido, foi a ideologia acerca do "capitalismo de Estado" segundo a qual existiriam, no melhor dos casos, diferentes tipos de capitalismo e, no "pior", sociedades que seriam meio-termo, "nem verdadeiramente capitalistas nem verdadeiramente socialistas" e/ou "o capitalismo de Estado" constituiria uma fase da revolução. Todas estas ideologias, que constituem diversas variantes do kautskismo e do leninismo, e que nada mais são do que o mito stalino-leninista da "especificidade russa" generalizado ao mundo inteiro, têm como objetivo central negar, esconder e dissimular o verdadeiro antagonismo entre o Estado capitalista mundial e o proletariado internacionalista.

34.

A força da contra-revolução hoje se baseia na exploração de todas as debilidades da grande onda revolucionária dos anos 1917-1923, o que, por sua vez, é possível pela destruição político/organizativa das frações comunistas que iniciaram um balanço da mesma. Sobre o cadáver do proletariado revolucionário, a contra-revolução ergueu o mito do Estado operário num só país (do qual o mito do "socialismo num só país" é apenas uma variante de direita), que serviu para jogar milhões de proletários como bucha de canhão da guerra capitalista. Tal Estado ou aqueles que com essas bases adotaram essa denominação ou outras similares (Europa do Leste, China, Cuba, Angola, Moçambique, Argélia, Nicarágua...) não são nem mais nem menos do que Estados capitalistas, cuja ideologia usurpou algumas expressões marxistas para melhor esconder seu caráter burguês. Capitalista é o planeta inteiro, a revolução comunista será mundial ou não será nada.

35.

Todas as correntes(stalinismo, trotskismo, maoísmo, terceiro-mundismo, "anarquismo"...)que apóiam, de forma crítica ou não, qualquer Estado ou governo existente no mundo hoje nada mais são do que formas recicladas do socialismo burguês, cuja matriz é a social-democracia como força histórica. Na prática, essas correntes, além do apoio aos aparatos do Estado burguês (governos, sindicatos, parlamentos...) e sua contribuição às guerras capitalistas, são decisivas para transformar as necessidades do proletariado em reformas do capital, atuando sempre como força de choque do capital para a manutenção da ordem burguesa.

36.

Sempre existiram, de Proudhon a Kautsky, de Hitler a Fidel Castro, de Stalin a Mussolini, de Bernstein a Perón, de Mao Tse-tung a Komeini, de Arafat a Gorbatchev e outros reformadores, frações burguesas progressistas com um discurso populista, obreirista, "contra a riqueza", "contra os monopólios", "contra a oligarquia", "contra as poucas famílias proprietárias do país", "contra a plutocracia"... e em favor das instituições "sociais". Essas frações correspondem à tendência histórica permanente do capital a se auto-reformar, a revolucionar constantemente a base produtiva e a estrutura social, mantendo, claro está, o fundamental: o trabalho assalariado, a exploração. Sua função específica é a de se apresentar como alternativas às formas clássicas de dominação (função decisiva para mobilizar a sociedade em dois pólos burgueses), de apresentar as reformas como o objetivo de toda luta e na luta intercapitalista aparecer como os setores mais capazes de controlar os proletários. Portanto, sua importância, nas diversas épocas ou países, deriva de sua credibilidade face aos proletários, isto é, de sua capacidade para liquidar toda autonomia de classe, através de reformas (ou promessas de reformas) que tornariam menos visível a escravidão assalariada, mais "viável" a miséria efetiva e de fato mais firme a ditadura social capitalista. Qualquer que seja seu reformismo, a burguesia é a inimiga inconciliável do proletariado, e, qualquer que seja seu discurso, todas as frações do capital recorrerão ao terror aberto (que não é "privilégio" da direita ou dos fascistas!) contra o proletariado se a preservação do sistema o exigir. Frente a tais frações, o programa do proletariado não muda uma vírgula. Combatendo todos os apoiadores mais ou menos críticos do capitalismo, o proletariado se auto-organizará em força para esmagar e liquidar essas frações, assim como todas as outras.

37.

O objetivo do estado burguês, do Estado democrático é manter o proletariado desorganizado, anulado como classe ou, pior ainda, enquadrado e mobilizado a serviço da burguesia. O que há de essencial em todos os mecanismos democráticos é a destruição da unidade orgânica do proletariado e de seus interesses, e sua "organização" em interesses parciais, correspondentes ao indivíduo, ao cidadão (homo economicus) comprador e vendedor de mercadorias. Os sindicatos são órgãos vitais do Estado burguês para desempenhar tal função. Com efeito, eles representam o proletariado dentro do capital, ou seja, o proletariado liquidado como classe, setorizado, negociando, como qualquer outro indivíduo da sociedade mercantil, o preço de sua mercadoria (força de trabalho), que assegure, por sua vez, uma "razoável" taxa de lucro e garanta a paz social. Frente a esse tipo de órgãos o proletariado luta para se organizar fora de e contra os sindicatos que, enquanto obstáculos na via da revolução comunista, deverão ser destruídos por completo. Por isso, todas as ideologias que preconizam a reforma dos sindicatos, a reconquista, o trabalho em seu interior, ainda que digam que é para sua destruição, semeiam a confusão, mantêm os proletários, que sentem intuitivamente o papel reacionário dos sindicatos, acorrentados a esses órgãos do Estado (o que aliás ajuda-os a melhorar a sua credibilidade), e servem à reação. O fato de que em muitos casos, na origem dessas organizações encontremos reais organizações operárias não faz mais do que confirmar a capacidade da burguesia para recuperar e utilizar para seus próprios fins as formas organizativas criadas pelo proletariado.

A "questão sindical" não é uma questão de denominação, mas de prática social. O antagonismo real não é entre interesses econômicos e interesses políticos, entre interesses imediatos e interesses históricos, porque os sindicatos, enquanto aparatos do Estado, nem sequer defendem os interesses "econômicos e imediatos" dos operários (que, por outro lado, são inseparáveis da afirmação revolucionária do proletariado, como já dissemos); mas entre o associacionismo proletário - reconstituição da unidade orgânica, de luta e de interesses do proletariado - e o aparato do Estado democrático para a negociação mercantil e isso qualquer que seja a denominação que adotam. Pois, apesar de a denominação "sindicatos" ter se tornado mundial, somente se refere a esses aparatos do Estado, e é bastante impróprio que reais associações classistas usem tal nome. Outras denominações, mais radicais (conselhos operários, sovietes...), também podem esconder aparatos de Estado contra os quais o associacionismo proletário se desenvolverá, necessariamente fora deles e contra eles.

37a.

A revolução não é, portanto, um problema de forma organizativa, mas, pelo contrário, de conteúdo social real. Em última instância, o problema será: trata-se de órgãos de luta proletária contra o capital ou de órgãos do Estado burguês para destruir a força revolucionária. E isso, qualquer que seja o nome ou a cobertura ideológica que esses aparatos ideológicos adotem, para melhor cumprir sua função contra-revolucionária. É evidente, contudo, que no processo real de associacionismo crescente, o proletariado vai criando formas cada vez mais globais que correspondem ao seu desenvolvimento como classe. Assim, as formas gremiais ou categoriais são superadas pela organização por locais de trabalho e ramos de produção, e estas são superadas por organizações territoriais em que atua e se centraliza todo o proletariado (empregados e desempregados, crianças e adultos etc.), o que é decisivo para que se dote de formas internacionais na luta contra as respectivas nações com que a burguesia divide seus inimigos. Esse processo, no qual se sucedem diferentes formas de associacionismo proletário, correspondentes a diferentes níveis de consciência e de luta contra o capital, não é um processo linear e gradual. Ao contrário, trata-se de um processo pautado por saltos de qualidade, por avanços e recuos..., em que a totalidade está determinada pela correlação de forças entre proletariado e burguesia. Os conselhos operários, os sovietes, os cordões industriais, o classismo auto-organizado na escala de um país etc. são formas que correspondem ao processo real de desenvolvimento do proletariado, de superação das divisões impostas pelo capital, sobretudo à medida em que as lutas por categorias e locais de trabalho são superadas (mesmo que aquelas possam ainda se basear nestas), nas épocas de crise política e social aberta quando o proletariado já não crê em soluções parciais ou particulares. Mas nem sequer nesse processo serão essas formas mesmas, como crêem os conselhistas, que poderão garantir os interesses do proletariado (nem qualquer outro tipo de garantia formal que os apologistas da democracia operária queiram estabelecer: assembléias soberanas, delegados elegíveis e revogáveis a qualquer momento...). Inclusive, nesse processo de auto-organização do proletariado em força, tudo dependerá da prática real desses organismos e esta da direção efetiva. Então, decisiva passa a ser a luta de classes no interior de tais organizações, nas quais a contra-revolução continuará presente e organizada, atuando para a transforma-las em órgãos do Estado burguês. Contra isso, a única garantia real é a ação resoluta das frações de vanguarda do proletariado que não se submeterão a nenhum mecanismo democrático que a contra-revolução tentará impor em tais associações. Organizados, os comunistas combaterão toda tentativa de dissolução dessa verdadeira direção do proletariado em constituição no conjunto dos proletários em luta (ou, pior ainda, no conjunto de proletários enquanto categoria sociológica); não aceitarão, sob nenhum pretexto, a disciplina desses organismos de massa que contrarie qualquer elemento do programa histórico do proletariado; lutarão, com todos os meios ao seu alcance, contra a tentativa de dar uma direção contra-revolucionária a essas associações, e, sobretudo, para impor uma direção revolucionária ao movimento.

38.

O parlamento e as eleições são formas particulares em que se concretiza a democracia, e que expressam a mesma necessidade burguesa de diluir o proletariado na massa dos cidadãos, de negar praticamente a classe antagônica a toda ordem estabelecida, reafirmando assim sua própria dominação. Sua função específica é a de desviar os proletários de seus combates cotidianos contra o capital e desenvolver/reproduzir a ilusão de uma mudança pacífica da situação do proletariado (a máxima expressão desta ilusão é a da transição pacífica ao socialismo), por obra e graça da cédula de votação. As eleições só servem para designar, entre as frações e representantes da burguesia, as que se encarregarão de mostrar a cara diretamente e dirigir a repressão das lutas do proletariado. O parlamentarismo e o eleitoralismo dão inevitavelmente as costas aos métodos e ao objetivo da luta operária, e não podem ser utilizados de nenhuma forma pelos proletários em luta. Juntar ao parlamentarismo o adjetivo de "revolucionário" e pretender utilizá-lo para denunciar a dominação burguesa só pode servir - como se demonstrou historicamente - para aumentar a confusão nas filas proletárias e constitui de fato um potente elemento de liquidação de toda a atividade do Partido de classe (legalismo, política de chefes, culto à personalidade...) que só serve à contra-revolução. A única resposta proletária ao desencadeamento regular desse ataque da burguesia que são as eleições é o abstencionismo comunista, a recusa de toda trégua eleitoral, a continuidade da luta pelos interesses exclusivamente proletários, a denúncia das eleições e, em função das possibilidades (determinadas pela relação de forças entre as classes), a sabotagem das mesmas, pela ação direta.

39.

Opressão racial, opressão sexual, destruição do meio ambiente etc. existiram em todas as sociedades de classes, mas nunca chegaram a um nível tão sistemático e tão gigantesco como no capitalismo e, especificamente, no progresso da civilização capitalista na fase atual. Somente uma luta global pode destruir a base que produz tanto a alienação do homem quanto o conjunto de manifestações inumanas e atrocidades próprias às relações sociais capitalistas. Só uma classe social - o proletariado - contém em seu ser esse projeto e sua realização: a revolução comunista. Pelo contrário, a liquidação da luta mediante sua parcialização e a criação de movimentos específicos (feminismo, anti-racismo, ecologismo...) tendentes a diminuir ou resolver esses problemas separados, sem poder portanto atacar sua causa comum e profunda são irremediavelmente tentativas adicionais de adaptação, de melhoramento, de reparação do sistema e portanto de reforço da ditadura do capital. Praticamente, esses movimentos serviram e só podem servir para desviar a energia revolucionária do proletariado, para melhorar os mecanismos de dominação e de opressão e inclusive para aumentar a taxa de exploração do proletariado.

39a.

Na exploração universal do proletariado, essa classe que abrange todas as raças e todas as combinações possíveis, pela primeira vez adquire todo o sentido falar de uma espécie humana, nos interesses únicos e na luta que a mesma classe está forçada a desenvolver até impor sua revolução social e universal. É aí, nessa luta, que se encontra a única solução humana e definitiva para a opressão racial e o racismo. Do outro lado da barricada, se encontram, pelo sistema social de produção que defendem e representam, todos os exploradores, eles também de todas as cores de pele e com um discurso racista ou anti-racista. Mas o racismo (ou o anti-racismo) é muito mais do que um problema ideológico. O fato de que o capital compre mais barata a força de trabalho de uma "raça", de que as condições de exploração e de vida de uma parte do proletariado sejam ainda piores que as outras, apenas reflete que, na realidade do capital, a produção de um ser humano, enquanto escravo assalariado, não interessa em absoluto como ser humano, mas pelo trabalho social que o mesmo tem incorporado (como acontece com qualquer outra mercadoria). Essa realidade racista do capital determina que (da mesma maneira que o valor da força de trabalho de um operário qualificado é maior do que a de um operário simples) o valor da força de trabalho, por exemplo de um proletário "nacional", seja maior do que a de um proletário "imigrado" (pressupõe-se que o primeiro tenha mais trabalho de integração, socialização, nacionalização, sindicalização do que o outro). Na organização internacional da dominação burguesa mundial, o racismo só pode se apresentar muito marginalmente como o que é (discurso abertamente racista desse ou daquele governo, desse ou daquele partido burguês) e na maioria dos casos se desenvolve com base no anti-racismo. O anti-racismo constitui, pois, uma força ideológica cada vez mais decisiva de reprodução da exploração e desta sociedade racista. Toda luta contra o racismo que não ataca a sociedade capitalista que é seu fundamento, isto é, que não seja uma luta do proletariado internacional contra a burguesia mundial, se transforma assim num elemento ideológico adicional do Estado e da opressão burguesa. A expressão mais acabada desse anti-racismo encontramos na fração da burguesia triunfante na segunda guerra mundial, e constitui um elemento ideológico decisivo para todas as grandes potências mundiais atuais. O anti-racismo é assim a forma mais refinada de reprodução da sociedade racista. O Estado de Israel, constituído sobre a comunidade fictícia da luta anti-racista judia, é um exemplo particularmente ilustrativo do anti-racismo servindo à exploração capitalista racista, levada à sua máxima expressão nos campos de exploração do proletariado dessa região.

39b.

A divisão sexual (ou por idade) do trabalho é um elemento objetivo da divisão capitalista do proletariado que só poderá ser abolido com a liquidação do capital e a auto-supressão comunista do proletariado. Homens, mulheres, crianças, idosos... proletários todos, reproduzem sua vida como força de trabalho do capital e para o capital. A produção direta da mais-valia nos centros de trabalho do capital (fábricas, minas, campos), não pode ser assegurada se a própria força de trabalho não é produzida. O capital, herdeiro da sociedade patriarcal, desenvolveu esta, e, mesmo que, quando necessário, utilize diretamente ambos os sexos e todas as idades na produção direta de mais-valia, condenou particularmente a mulher proletária à função de principal agente da produção doméstica (que é parte da produção global da mercadoria força de trabalho). Ainda que o capital, ao comprar a força de trabalho, pague a totalidade do valor desta mercadoria e portanto todo o trabalho necessário (doméstico, educativo, repressivo etc.) para produzi-la, quem recebe o pagamento é o produtor direto de mais-valia e não quem realiza esse trabalho doméstico, o que constitui um elemento adicional decisivo para a particular submissão e opressão capitalista da mulher proletária.

O feminismo é a resposta burguesa a esta situação particular. Seu ponto de partida é representar ideologicamente o que pode haver de particular na exploração que o capital faz da mulher proletária como uma condição geral da mulher em geral, transformando assim a revolta proletária da mulher e do homem num movimento interclassista, cujo credo de adesão é o "homem em geral" que exploraria "a mulher em geral". Além da obra contra-revolucionária em geral do feminismo, como força de parcialização, de desvio, de ocultação das reais contradições e soluções, o feminismo foi e é um instrumento decisivo do capital para multiplicar a exploração proletária, para, com a ideologia da igualdade de direitos, levar também a mulher proletária a assumir um papel mais ativo na produção direta de mais-valia e inclusive na guerra imperialista. Da luta pelo trabalho feminino à luta pelo voto da mulher, até as atuais campanhas pela participação ativa da mulher na vida da nação, o feminismo tem sido uma força de afirmação do capital contra o proletariado. Sua máxima realização são as policias femininas, a incorporação em massa de mulheres nos exércitos pátrios (conforme a necessidade do capital de fazer toda a população civil participar cada vez mais diretamente na guerra), as mulheres parlamentares, generais ou primeiras ministras...

39c.

A importância das ideologias parcializadoras do capitalismo mundial, como o anti-racismo ou o feminismo, cujo objetivo é combater a unificação do proletariado internacional, pode ser compreendida tendo em conta que cada um desses movimentos de mobilização estatal se dirige para atrair a maioria da população proletária do planeta e desviá-la de seus objetivos classistas e revolucionários. Os feministas mais radicais nunca esquecem de dizer que suas reivindicações concernem à maioria da população do planeta, que é de mulheres. O anti-racismo radical, por seu lado, tem as mesmas pretensões, visto que o proletariado, cuja cor de pele ou o caráter de imigrado ou filho de imigrado propiciam formas particularmente atrozes de exploração pelo capital, é de longe a maioria do proletariado mundial. Daí a importância da crítica revolucionária de tais ideologias, que serão varridas pela luta unificadora do proletariado de todas as cores, de todos os sexos, de todas as idades, migrantes em todo o mundo, contra o capital mundial. E é a partir de hoje, nesta comunidade de luta real e em seu desenvolvimento, que se destroem e se destruirão o racismo e o anti-racismo, o chamado "problema da mulher" e o feminismo etc.

39d.

O desenvolvimento do capital, com a conseqüente tirania da taxa de lucro contra o meio ambiente necessário ao desenvolvimento da vida humana, chegou a níveis tais que não somente parcelas sempre crescentes da humanidade estão submetidas à fome permanente por desertificação (ou outras causas, igualmente "naturais", produzidas pela valorização do capital), mas também a barbárie da continuidade da civilização atual é, a médio prazo, incompatível com a vida sobre a terra, pela destruição capitalista da atmosfera, das fontes de água potável... Isto, sem falar de outros "pequenos detalhes" como a possibilidade da destruição atômica generalizada, a contaminação universal do ar e do mar (o inelutável crescimento dos metais pesados presentes no ambiente: chumbo, mercúrio, destruição da camada de ozônio imprescindível à vida, acumulação de CO2 que provoca um aumento de temperatura em toda terra, o derretimento das geleiras com a conseqüente imersão da terra hoje habitada...), "acidentes" industriais químicos e nucleares cada vez mais freqüentes e com conseqüências sempre mais nefastas, inviabilidade total, no sentido mais forte da palavra, de que a vida não será possível nas grandes urbanizações do planeta etc. Somente a revolução proletária e comunista, na medida em que liquida os fundamentos da contaminação generalizada, as causas da destruição de todos os meios necessários à vida realmente humana da espécie, constitui a alternativa válida à barbárie da atual civilização.

O movimento ecologista é a resposta burguesa para essa degradação generalizada de todas as condições de vida. Seja parlamentar ou antiparlamentar, reformista declarado ou encoberto, o ecologismo ataca as conseqüências e não os fundamentos da contaminação generalizada. Sua função social principal é desviar a luta do proletariado - contra a degradação brutal de todas as condições de reprodução de sua vida, agindo diretamente contra os fundamentos de toda a sociedade (a taxa de exploração, a taxa de lucro, a competitividade da empresa, da economia etc.) -, transformando-a em meras lutas contra os excessos de um sistema cujas bases defende. Os ecologistas, organizados com seu retorno à natureza, com suas propostas de estações de tratamento, de controle estatal da contaminação etc. não só defendem os fundamentos gerais do sistema mercantil generalizado que provoca todas as contaminações, como irremediavelmente terminam contribuindo com seu grão de areia para as campanhas de austeridade do Estado contra o proletariado. Como se os proletários não fossem suficientemente explorados, os ecologistas lhes propõem ser ainda mais austeros, mais "naturais". Sendo os melhores agentes comerciais da venda mercantil da "natureza", os ecologistas elaboram e propõem, ao proletariado, programas reais de austeridade e aumento da exploração que nenhum outro setor burguês ousaria propor. Para o ecologista, se possível, alimentar o proletariado com capim em vez de carne seria o melhor. Baseados, assim, no embuste de que esta sociedade é uma sociedade de consumo (na realidade é uma sociedade determinada pela acumulação do capital), os ecologistas são os mais cínicos defensores da austeridade e do aperto de cintos.

Numa época em que os efeitos devastadores da produção mercantil provocam mortes cada vez mais massivas por desertificação, deformações físicas irreversíveis, doenças incuráveis por contaminação ambiental..., a rebeldia proletária contra o capital continuará se desenvolvendo. E o desenvolvimento da mesma encontrará nos ecologistas de todos os tipos um obstáculo a mais que o proletariado terá de superar para impor sua revolução.

39e.

O capital reproduz a humanidade proletária somente na medida em que esta é instrumento de trabalho e fonte de valorização. As "fábricas" em que o proletariado é produzido como proletariado, como simples força de trabalho do capital, são a família, a escola, os hospitais, as igrejas, os institutos de assistência social, as prisões etc. Todas essas instituições estão, de cima a baixo, determinadas pela reprodução não do ser humano, mas do escravo assalariado e serão abolidas, junto com toda a sociedade da qual emergem, pela revolução comunista.

A posição clássica do revisionismo, da social-democracia, face à impossibilidade de negar o antagonismo evidente entre a revolução social e a reprodução de todas estas instituições reprodutoras da propriedade privada e da sociedade do capital, é a de reconhecê-lo de forma obscura em seu programa máximo para depois da revolução, sabotando toda luta prática e concreta contra as mesmas, quando não chega ao descaramento de defender, no que chama de socialismo, a "família proletária" ou a escola depurada de alguns excessos... Entretanto, toda luta real do proletariado se encontrou frente a essas instituições e de diversas formas lutou contra elas. Em todas as revoltas proletárias radicais, explode um antagonismo inconciliável não só com as igrejas, prisões etc. como com a família, as escolas etc. cuja essência é também a reprodução da propriedade privada e do Estado, que, por sua vez, reproduz o indivíduo produtor de mais valia, a prole enquanto propriedade familiar, a divisão (sexual ou por idade) do trabalho necessário à reprodução da força de trabalho do capital, a disciplina necessária à manutenção da escravidão assalariada etc.

A luta contra a família, a escola... é, assim como a luta contra as prisões, as igrejas, os órgãos de assistência social e/ou qualquer outro tipo de instituição do capital, uma luta fundamental e inseparável de toda luta comunista contra esta sociedade. Assim como não se pode deixar para depois da insurreição um problema como o sindical, visto que em toda luta teremos o sindicato contra ela. Adiar a luta contra a escola, a família etc. para depois da insurreição é contra-revolucionário.

39f.

Mas é somente na própria luta proletária que se pode assumir cada uma dessas lutas, somente na verdadeira comunidade de luta os proletários forjam as bases da destruição, da crítica comunista da família, da escola..., e afirmam seu próprio projeto. Os que buscam alternativas positivas em plena sociedade capitalista caem no reformismo e no socialismo burguês, porque a verdadeira alternativa a toda essa estrutura social, à família, à escola etc. só pode surgir dessa negação em desenvolvimento, isto é, da afirmação do comunismo como movimento geral de negação de toda sociedade atual. Nessa negação em ato, é evidente que os comunistas, que têm sobre os demais proletários a vantagem da visão global do movimento e de seus objetivos e que em todos os aspectos práticos da luta se situam à cabeça do proletariado, se envolvem com todas as suas forças nessa negação concreta da família, da escola etc. mas não podem nem por um instante ter a ilusão de que abolirão tais instituições sem abolir a propriedade privada da qual emergem.

Da mesma maneira que o feminismo é a resposta burguesa à "questão da mulher", que o anti-racismo é a resposta burguesa para a "questão racial", que o ecologismo é a resposta burguesa à questão da destruição das condições da vida humana, existe um conjunto complexo de respostas burguesas à questão da família, da escola etc. Entre elas, cabe mencionar as ideologias da família alternativa, da comunidade de vida, do amor livre, da revolução no cotidiano, das escolas alternativas ou "livres" etc. Como nos outros casos, não se trata de uma simples parcialização de uma luta proletária, mas de sua liquidação efetiva com base num conjunto de projetos reformistas e de ideologias, que têm em comum a reforma e a reprodução da vida necessárias à permanência da escravidão assalariada. Somente a constituição do proletariado em classe e portanto em Partido, enquanto comunidade humana contraposta a toda ordem capitalista estabelecida, contém em germe, em seu desenvolvimento e no das relações humanas que vão se forjando na luta comum, a negação da família, da escola, do paternalismo, do exclusivismo... E, no desenvolvimento efetivo dessa negação, inevitavelmente encontrará, em todos os projetos reformistas da escola ou da família, obstáculos que deverá varrer para impor sua revolução. Obstáculos que terá de abolir, para sempre, junto com a propriedade privada e a família.

40.

O trabalho é a negação da atividade, da vida, da satisfação, do gozo humano. O trabalho faz do homem um estranho para si mesmo, ao que produz, à sua atividade e à humanidade como um todo. O trabalho não é outra coisa senão a atividade humana feita prisioneira das sociedades de classes e a concretização da necessidade das classes dominantes de se apropriar do sobreproduto obtido mediante a exploração das outras classes. O capitalismo, ao libertar (separar) os explorados de seus meios de vida e de produção, destruindo as velhas formas de produção, impôs o salariado ao conjunto do planeta, reduzindo o homem, por toda parte, à condição de trabalhador, de torturado ("trabalho" provém etimologicamente do latim "trepalium", que era um instrumento de tortura).

No trabalho, o proletariado se vê completamente despojado de seu produto, alienado, estranho a si mesmo, negado em sua essência, em sua vida, em seu gozo... enfim, alheio ao produto de sua própria atividade.

Além de desperdiçar seu suor, seu sangue e sua vida numa atividade cujo absurdo só é menor do que o embrutecimento que acarreta, o trabalhador é separado de toda relação imediata com os outros enquanto seres humanos e separado, portanto, de sua própria vida genérica, da espécie humana.

Somente na luta contra o trabalho, contra a atividade que estão forçados e contra aqueles que os forçam, os proletários reemergem como seres humanos. Com a generalização desta luta e a conseqüente negação da sociedade atual, avançam no sentido de uma sociedade comunista, na qual toda atividade humana será enfim humana, para o ser humano.

40a.

O capital fez do trabalho a atividade mais importante, à qual tudo se subordina, a atividade essencial do homem (o homem é considerado não como tal, mas "pelo que faz na vida" o que, na sociedade capitalista, quer dizer "profissão", "trabalho"). Com isso, nada mais coerente do que o fato de que todas as ideologias da sociedade burguesa façam do trabalho a essência humana, ideologia que é reproduzida e suportada pelas centenas de milhões de cidadãos que perdem cotidianamente sua vida para "ganhar a vida".

Concordando com isso, todas as ideologias se baseiam no sacrifício, na renúncia, na interiorização das emoções e dos sentimentos... Ao trabalho corresponde o sacrifício, e a este a religião (incluída a religião leninista do Estado!), na tentativa de justificar a repressão de toda manifestação das paixões e prazeres humanos, físicos, corporais.

Das apologias de esquerda ao miserabilismo do proletariado enquanto pobre, passando pelos dogmas dos padres de todos os tipos, todos nos propõem o "depois", "a sociedade do futuro" e a morte como recompensa e campo de realização de um homem que na "vida presente" deve viver no sacrifício e negar a si todo gozo, reprimir todo o prazer.

41.

No capitalismo, tudo que é humano e vital deve ser sacrificado. A vida humana nada mais é do que um contínuo sacrifício. O ser humano foi separado de seu corpo, seu prazer, seu sexo, de sua energia vital. Séculos e séculos da chamada civilização estão gravados sobre sua carne e seu corpo. O trabalho, a polícia, a família, a religião, a escola, a televisão, as prisões, os hospitais psiquiátricos... enfim, o Estado, são muito mais do que o contexto em que se reproduzem. Eles deformam, desumanizam todo aquele que se pretende um ser humano; fragmentam e conformam esses corpos reprimidos, separados, enfrentados. Sob o capital, o ser humano é incapaz de amar o ser humano. O homem, transformado em inimigo do homem, reprime sua própria humanidade, sua própria pulsão, sua própria energia.

A sociedade mercantil faz com que os homens só se relacionem por meio das coisas e como proprietários privados de coisas. A sexualidade universalmente alienada, a impotência orgástica generalizada é a concreção palpável da ausência da relação verdadeiramente humana enquanto corpos, totalidade.

Os seres humanos não vivem sua sexualidade diretamente, por sua vida e sua energia, mas através de todas essas mediações tornadas corpos e das imagens espetaculares impostas pela sociedade. Em outras palavras, dessas mediações feitas armas e couraças desses corpos pelos quais o homem não é mais do que o lobo do homem.

A própria sociedade burguesa desenvolveu sua resposta a esta castração inerente ao cidadão, a essa repressão feita carne que destrói permanentemente a energia da vida. A resposta consiste na mercantilização de todo o sexual: vendem-se mulheres, vendem-se homens, vendem-se crianças, vendem-se imagens de "felicidade", vendem-se pênis, vaginas, mulheres e homens de plástico...

A cada emergência revolucionária, o proletariado questiona e faz balançar todo o Estado burguês. Então, todas as relações humanas são revolucionadas e começa uma verdadeira crítica prática do antiprazer generalizado necessário para o funcionamento desta sociedade. Inversamente, cada contra-revolução triunfante ou fase declinante da revolução, faz com que o individualismo e o antiprazer se tornem onipresentes.

Como em todos os outros aspectos centrais da revolução comunista, e contra eles, o inimigo central da revolução é o reformismo, o conjunto de pequenas reparações para que o essencial seja perpetuado. Assim, as ideologias do amor livre, da liberdade de troca no sexual, da realização do prazer em plena sociedade capitalista, inclusive quando são algo mais do que mera propaganda mercantil, têm por objetivo central canalizar, desviar, destruir a energia revolucionária do proletariado.

O gozo realmente humano não tem nada a ver com essas caricaturas mercantis.

O comunismo, na sua afirmação histórica, libertará todo o potencial de gozo da espécie humana. E, deste modo, destruindo todas as servidões, constituir-se-á numa sociedade na qual o prazer físico e sexual, o gozo corporal e orgástico, desenvolverá até níveis hoje inimagináveis as relações humanas, a humanidade do homem, a espécie humana.

42.

O desenvolvimento da troca operou fraturas e separações cada vez mais importantes no seio da atividade humana e, depois, submeteu cada um desses aspectos da atividade ao domínio cada vez mais tirânico da lei do valor. O capital, ao subsumir cada parcela da práxis humana e ao se apropriar e desviar toda atividade criativa do homem para a realização de suas próprias necessidades de acumulação, levou ao cume tal processo. Ao separar definitivamente a criatividade do restante da atividade humana, o capital definiu a Arte como único campo de expressão e de criação, como lugar e momento de todas as significações possíveis, já que a vida perdeu toda significação. Assim, a arte funciona como fuga, como gueto, como ferida aberta por onde o sistema capitalista supura sua podridão. O capital incentiva a escrever, a dizer e a desenhar qualquer coisa, desde que esses produtos artísticos permaneçam no domínio da representação do vivido, do espetáculo, desde que não superem as fronteiras da transformação da vida. Dentro desses limites, esses produtos são apenas mercadorias como todas as outras.

A arte popular, a artenarquia, a arte "proletária" e outras apologias da miséria "operária"... nada mais são do que diferentes proposições reformistas e democráticas que tentam sublimar os aspectos mais espetaculares da miséria da condição proletária, não vendo na miséria nada além da própria miséria. Todavia, o que pretendem é conciliar o proletariado com sua condição de classe explorada.

Em contraposição, pois, ao que todos os reformistas radicais defendem, a alienação da arte não reside no fato de que a arte faça abstração da miséria (visto que os artistas de esquerda preenchem esse vazio!). Mas, ao contrário, no fato de que é criatividade alienada, a alienação de toda criatividade, um dispositivo do Estado reforçando e reproduzindo a sociedade capitalista.

A revolução comunista destruirá a Arte (incluída a "proletária"), enquanto produto da sociedade de classes, enquanto atividade humana fragmentada e seccionada, alienada sob o capital. A revolução comunista realizará as aspirações criativas do homem às quais a arte pretende responder de forma alienada.

Esta destruição proletária da arte e, mais globalmente, da compartimentação das diferentes atividades sob o capital, encontrou e encontra, hoje mesmo, suas expressões embrionárias na sabotagem inventiva dos meios de dominação e do terror burguês, na sabotagem das máquinas, no dadaísmo, na anti-efetuação crítica das armas, nos métodos desenvolvidos para escapar e/ou burlar os controles do Estado, no absenteísmo... E, ainda mais amplamente, em toda imaginação e criatividade que nossa classe demonstra na luta para subverter este mundo. A insurreição generalizada será um fato, extensa e profundamente criativo, nos sentidos "artístico" e "científico" do termo, um momento essencial do processo de destruição revolucionária da arte.

43.

O proletariado é portador de uma sociedade sem classes e sem a violência inerente às sociedades de classes. Mas a sociedade na qual o proletariado emerge está baseada no terrorismo burguês, independentemente da forma mais ou menos aberta como a burguesia exerce a sua ditadura. O canibalismo da contra-revolução, o terror branco estatal ou "para-estatal", obriga o proletariado e o determina a responder com a violência revolucionária, com o terror vermelho. A organização dessa violência, que surge espontaneamente do solo mesmo desta sociedade terrorista, e a firmeza na sua aplicação são os elementos decisivos para impedir um derramamento de sangue generalizado, diminuindo as dores do parto da nova sociedade. Eis por que os comunistas além de não se oporem à violência, organizam-na de forma decidida e a dirigem. O pacifismo, isto é, o antiterrorismo em geral, assim como a distinção social-democrata entre violência da classe operária "em seu conjunto" e ação "individual", ou entre "violência" e "terrorismo", nunca foram nem podem nada mais do que uma cínica manifestação da ideologia contra-revolucionária.

43a.

Embora a condenação geral do terrorismo e da violência proletária (necessariamente minoritária nas suas primeiras fases) seja a prática geral do reformismo e da contra-revolução, deduzir disto que a violência, que a ação armada seria, em si mesma, revolucionária é um absurdo ideológico, cujo objetivo principal é enquadrar e liquidar setores combativos do proletariado, fazendo-os servir a um projeto reformista burguês. Considerar que a luta armada conteria em si virtudes revolucionárias ou "perversões inumanas", que o terror seria bom ou mau em si, independentemente do programa da classe que o desenvolve, do projeto social que essa classe protagoniza e que inevitavelmente determinará a forma e o conteúdo real dessa violência, tem muito a ver com uma visão moral de qualquer tipo. Mas se opõe diametralmente à concepção materialista da história e constitui um obstáculo à prática revolucionária. É certo que a revolução social será necessariamente violenta, mas é totalmente falso que a violência conduza necessariamente à revolução. Reforma e revolução não se diferenciam pela utilização ou não de violência, mas pela prática social global a serviço da reforma do sistema ou contra ele. A burguesia também utiliza a luta armada em sua guerra. Frações de oposição, reformistas de todos os tipos, nacionalistas etc., sempre recorreram à violência e à luta armada na defesa de seus interesses para ocupar (ou participar na) a direção do Estado, para a mudança de sua forma, para impor variantes no tipo ou na forma da acumulação capitalista que lhes assegurem uma parte maior na apropriação de mais-valia etc. Por mais armadas que sejam, por mais que seus dirigentes falem de revolução, todas essas lutas não são uma afirmação da revolução contra a reforma, mas, pelo contrário, uma afirmação da reforma e da guerra capitalista contra o proletariado e a revolução.

43b.

Ou seja, do ponto de vista do proletariado, é tão absurdo caracterizar socialmente uma luta pela utilização das armas como caracterizá-la pela difusão de panfletos ou pelo fato de que seus protagonistas façam reuniões ou editem jornais. Porém, a confusão existe entre os proletários e joga um papel importante cada vez que o proletariado reaparece no cenário histórico. A recusa proletária do reformismo e do pacifismo, recusa ainda não cristalizada numa verdadeira direção revolucionária, tende a assimilar tudo o que é armado e violento a revolucionário, o que evidentemente é explorado pelo reformismo (armado ou não). Enquanto o proletariado e sua vanguarda não centralizarem suas forças nem desenvolverem sua ação, sua perspectiva, sua resposta insurrecional à questão militar, esta confusão e esta exploração serão possíveis.

Além do mais, dada a heterogeneidade das condições de exploração, de luta, de tomada de consciência..., a enorme defasagem orgânica e teórica, além da prática, do proletariado de sua própria história (resultante de décadas de contra-revolução vitoriosa), dada a ação do capital que busca atacar o proletariado e derrotá-lo pouco a pouco, é evidente que nas reemergências do proletariado são minorias heterogêneas, não-coordenadas e com grandes debilidades ideológicas que assumem, apesar de tudo, um conjunto de ações violentas, pautando o desenvolvimento e a extensão da luta proletária. Face aos aparatos do Estado, os grupos reformistas armados (manipulados ou não), explorando a falta de organização, de direção e as debilidades ideológicas presentes no seio dessas minorias, buscam, e em muitos casos conseguem, separar essas minorias do proletariado e impor uma guerra de aparato contra aparato. Ideologias típicas do militarismo, como o mito da "ação exemplar", o culto da "violência em si", a "invulnerabilidade dos conspiradores em oposição à vulnerabilidade das massas", constituem uma ponte para separar essas minorias do proletariado, de seus interesses e sua luta. Isto leva ao enquadramento dessas minorias na guerra capitalista, mediante concepções que são evidentemente a renúncia total e completa do programa insurrecional do proletariado, tais como: guerra popular prolongada, foquismo etc.

43c.

A liquidação das minorias proletárias, a utilização e o desvio da energia que surge da decomposição catastrófica do capitalismo em benefício da manutenção do capitalismo e de suas guerras locais, que transformam o proletariado em bucha de canhão do reformismo de todos os tipos ou em espectador passivo, opinião pública de uma guerra de aparato contra aparato, torna-se por sua vez possível para a contra-revolução histórica pela inexistência de uma direção revolucionária centralizada, baseada em na experiência e no programa comunista, que concentre e centralize as forças reemergentes contra todo o capital. Com o desenvolvimento da crise, o capital, apesar de seu interesse tático em derrotar o proletariado pouco a pouco, é forçado a homogeneizar sua política (a política da crise do capital é uma só: aumentar a taxa de exploração e reprimir a resistência em todo o mundo), gerando condições evidentes de homogeneização internacional das respostas proletárias. Esta é uma condição necessária, mas não suficiente, para triunfar. Para isso, é necessário centralizar essa força, dotar-se de uma direção cuja práxis combine adequadamente as armas da crítica com a crítica das armas e que enfrente o pacifismo em todos os terrenos e o reformismo em todas as suas expressões. Esta direção irá se forjando portanto não só contra o pacifismo, o antiterrorismo em geral, mas também contra o reformismo em todas as suas expressões e particularmente o reformismo armado, visto que, como alternativa mais "radical", está dirigido precisamente para recuperar e liquidar os proletários mais radicais que romperam com os partidos e forças que tradicionalmente os controlam.

44.

O movimento comunista real, como ser consciente, como Partido, demarcou-se, em sua longa luta histórica, de todas as forças e ideologias da contra-revolução afirmando, de forma cada vez mais clara, a unidade indissociável entre ditadura do proletariado e abolição do trabalho assalariado. A destruição das relações capitalistas de produção é necessariamente a obra despótica (despotismo das necessidades humanas contra a lei do valor) da força organizada e centralizada do proletariado para exercer sua dominação de classe: o Estado do proletariado mundial. Este Estado não é nem popular, nem livre, pois não reúne as diversas classes nem camadas do povo, mas exclusivamente o proletariado organizado em Partido e não se constrói no interesse da liberdade, mas pela necessidade de reprimir pelo terror revolucionário toda a força da reação. Portanto, as correntes que, em nome do anti-autoritarismo em geral negam todo Estado ou pretendem fazer do Estado de transição um Estado "livre", "popular", "democrático", no qual participariam forças não proletárias, não só contribuem para semear a confusão entre os proletários, mas servem objetivamente à contra-revolução.

45.

Mas o Estado do proletariado não tem nada a ver com o Estado atual (burguês), com um governo "operário". O objetivo da revolução proletária não é tomar o poder político do Estado e pô-lo a seu serviço, pois o Estado burguês, seja qual for sua direção, continuará reproduzindo o capital. Toda pretensão de utilizar o Estado burguês para servir ao proletariado é uma utopia reacionária, é um dos melhores métodos da contra-revolução para desviar os efeitos devastadores de uma insurreição proletária contra o Estado burguês e contra a tirania do capital. A revolução proletária tem por objetivo, pelo contrário, a destruição total do Estado burguês e de seu poder econômico-social. O Estado burguês não se extingue, nem se extinguirá jamais, é necessário suprimi-lo pela violência, juntamente com a ditadura mercantil e democrática da qual emerge e que reproduz. O único Estado que se extinguirá será, pelo contrário, o do proletariado (semi-Estado), que em seu desenvolvimento, consolidação, extensão, irá se extinguindo no próprio processo de liquidação do capital.

46.

A revolução proletária não consiste, pois, em ocupar a direção do Estado para depois realizar uma série de "reformas sociais". Mas, pelo contrário, do seu ponto de partida até seu objetivo final é uma revolução social, que parte da necessidade social de destruir totalmente o poder total (militar, econômico, ideológico, político...) da burguesia e tem como objetivo a sociedade comunista; que parte da separação do homem real, de seu ser coletivo (Gemeinwesen) e tem como objetivo a constituição da verdadeira Gemeinwesen do homem: o ser humano. É evidente que esta revolução social, na medida em que exige a derrubada do poder existente e necessita de sua destruição e dissolução, compreende a luta política. Mas, quando começa sua atividade organizadora, na qual surgem o objetivo e o conteúdo que lhe são próprios, o comunismo recusa o envoltório da política. Por esta razão, a revolução proletária não é redutível a uma questão econômica de gestão da produção, de controle operário etc., e necessita de destruir violentamente todas as instituições e aparatos da contra-revolução que asseguram a ditadura do valor contra as necessidades humanas, para poder realizar a atividade organizadora da sociedade para o comunismo.

47.

Tanto o desvio politicista (segundo o qual o proletariado deveria ocupar o Estado capitalista para reformar a sociedade)quanto o desvio economicista (segundo o qual o problema se reduz a ocupar, controlar e gerir a produção e a distribuição), quase sempre combinados na mesma teoria, constituem ideologias contra-revolucionárias e funcionam como últimas barreiras de contenção capitalista em momentos cruciais. Ideologias que o proletariado deverá enfrentar, suprimir e enterrar.

48.

Portanto, o proletariado, na fase insurrecional (e mesmo antes), terá de ocupar os meios de produção (fábricas, centros de comunicação, minas, campos...), adaptando-os às suas necessidades (o que de fato distorce os mecanismos de valorização do capital e já se situa na linha de reorientação total da produção e da distribuição com outras bases). Toda essa atividade terá como objetivo central o triunfo, internacionalmente generalizado, da insurreição, combatendo firmemente qualquer ilusão de gerir a sociedade sem destruir a contra-revolução organizada. Para isso, a centralização, a organização do proletariado em partido é indispensável. Só o Partido comunista, executando firmemente seu programa histórico, pode desenvolver a ação centralizada e centralizadora que impedirá a dispersão localista, a ilusão gestionária, o federalismo democrático e a troca entre unidades de produção independentes (fonte de trabalho privado oposto ao social e, portanto, de reorganização mercantil)...; que, dotando os proletários de uma direção única, assegure a máxima concentração de forças para o esmagamento social, econômico e político, da contra-revolução.

49.

A insurreição armada é um salto qualitativo, mas não é irreversível nem suficiente para destruir o Estado burguês. É necessário liquidar todas as suas bases que a sustentam. Mas isto não é possível somente no interior de um país ou grupo de países. Portanto, onde e quando a insurreição triunfar, o proletariado utilizará seu poder sobre esta parte da sociedade capitalista mundial para expropriar e suprimir o capital em todos os terrenos (político-militar, propagandístico, econômico etc.), atuando no sentido de orientar a produção e a distribuição de acordo com suas necessidades e interesses (isto é, as necessidades e interesses da humanidade), o que implica destruir a sociedade mercantil e o trabalho assalariado. Todas essas medidas se subordinarão ao objetivo central de estender a revolução ao mundo inteiro, recusando a ilusão de construir um "Estado operário" (ou vários) numa economia mundial produtora de mercadorias ou, pior ainda, o socialismo num só país ou grupo de países. Para isso, é indispensável que a centralização e a direção eficaz do movimento comunista seja única e mundial, combatendo firmemente cada interesse regionalista ou nacionalista (sempre burguês) e subordinando cada parte à totalidade do movimento. É somente com a centralização orgânica e compacta que o proletariado mundial, constituído em Partido, nas batalhas insurrecionais, se fortalecerá, programática, numérica, organizativa e militarmente, enfrentará e vencerá toda tentativa de restauração.

50.

A revolução proletária, seja em seus objetivos ou em suas fases intermediárias, não tem nada em comum com as "revoluções" políticas burguesas. Salvo, claro está, no uso das armas e na derrubada do poder existente.

51.

É indispensável sublinhar a importância decisiva do Partido Comunista. Sem constituir-se em Partido, o proletariado não existe como classe, como força histórica.

Hoje, reivindicar o Partido significa ao mesmo tempo retomar a concepção invariante do mesmo e se demarcar de todos os democratas, reiterando que esta questão central do Programa não é um problema à parte, que classe e partido não são dois seres históricos diferentes, que se definiriam separadamente para depois entrar em relação. Classe e partido são diferentes expressões de um mesmo ser histórico: o comunismo.

As determinações essenciais do Partido não podem, pois, ser compreendidas a partir de realidades contingentes ou de necessidades pontuais, sem assumir concepções imediatistas (leninistas ou antileninistas) que invariavelmente pretendem definir, por um lado, a classe (como se fosse possível defini-la sem sua constituição em Partido) e, por outro, o partido (em geral, em termos de dever ser a-histórico), para depois tentar conciliar os dois conceitos, ou seja, ligar o que ideologicamente separaram. As polarizações no interior desta concepção democrático imediatista ocorrem depois, na busca de definições das "relações" entre a classe e o partido.

Portanto, as determinações fundamentais e históricas do Partido nada têm em comum com a existência de qualquer grupelho autodenominado "partido" ou que pretenda portar a "consciência", nem com o acréscimo econômico-sociológico de proletários. Ao contrário, o Partido é para nós o comunismo constituído em força centralizada internacionalmente. Além de ser condição indispensável à instauração do comunismo e sua prefiguração viva.

52.

O Partido Comunista é a organização da classe revolucionária portadora do comunismo, e suas determinações essenciais são as que fazem do proletariado uma classe: organicidade, centralização, direção histórica única. Sem a afirmação do Partido, mesmo que não seja mais do que de modo embrionário, não há proletariado ("a classe operária é revolucionária ou não é nada"). Mas todo esse processo de organização em Partido não é possível sem o longo e indispensável esforço militante de afirmação programática, de prática conseqüente e de preparação, levada adiante pelos comunistas. É certo que o Partido (como as revoluções) não é inventado, nem criado, pelos revolucionários, ele é o produto necessário e espontâneo da sociedade do capital. Mas esta necessidade histórica não se concretiza de um dia para o outro, como existência plena e inteira do Partido Mundial. O Partido surge espontaneamente, na medida em que desenvolve, com base na comunidade de interesses e perspectiva, uma real comunidade de luta proletária. Mas este fato inevitável só se concretiza quando, nessa comunidade vai se afirmando simultaneamente o comunismo como programa e como direção, prefigurando assim o órgão internacional de direção revolucionária. Ou seja, quando aquela determinação histórica se concretiza especificamente numa ação consciente, voluntária e organizada; quando, afirmando todo o programa histórico do proletariado, uma minoria ("os comunistas" a que se refere o Manifesto do Partido Comunista) sólida e compactamente estruturada de quadros revolucionários assume a indispensável tarefa de direção, não só quanto aos objetivos do movimento (enquanto plano de vida para a espécie humana) mas também quanto aos meios estratégicos e táticos para o seu triunfo. As revoluções e o Partido não se criam. Contudo, a função dos revolucionários é dirigir as revoluções e o Partido. Essa minoria de comunistas, que é ao mesmo tempo produto necessário e espontâneo(no sentido histórico e não imediato de ambas as palavras)da organização do proletariado numa força centralizada, é o eixo em torno do qual se realiza a direção da práxis que lhe permite deixar de ser um simples objeto daquela espontaneidade para ser sujeito consciente da revolução por vir.

53.

Portanto, os comunistas não formam um Partido à parte, oposto às outras organizações de proletários, nem tampouco à organização do proletariado. Não têm interesses específicos que os separem do conjunto do proletariado. Não proclamam princípios especiais com o fim de moldar o movimento proletário. Por um lado, os comunistas só se diferenciam dos demais proletários da comunidade de luta da qual são parte porque destacam e fazem valer, nas diferentes lutas, os interesses comuns a todo o proletariado, independentemente da nacionalidade ("a história da Internacional foi uma luta contínua do Conselho Geral contra... as seções nacionais"). Por outro lado, nas diferentes fases pelas quais passa a luta entre o proletariado e a burguesia, representam sempre os interesses do movimento comunista em seu conjunto. Praticamente, os comunistas são, pois, o setor mais resoluto da comunidade de luta proletária de todos os países, aquele que sempre impulsiona os demais. Teoricamente, têm, sobre o resto do proletariado, a vantagem de uma clara visão da marcha e dos resultados gerais do movimento proletário. Sua organização específica não tem, pois, nada a ver com a constituição de um partido à parte. Mas,pelo contrário,afirma praticamente a tendência geral do proletariado a se constituir em Partido e se dotar de um órgão central.

É evidente que esta concepção do Partido e da ação dos comunistas se contrapõe radical e totalmente às ideologias democráticas, entre as quais merecem ser destacadas:

54.

Em nosso tempo e no futuro, uma época de crescente crise econômica, social e política do capital em escala internacional; uma época de árdua reemergência proletária em escala internacional e, portanto, de tendência à organização mundial do proletariado, mesmo com enormes dificuldades, dada a contra-revolução ininterrupta há décadas e fissurada por grandes explosões sociais que se repetirão mais e mais; uma época na qual os grupos organizados consciente e voluntariamente com base na afirmação do comunismo são ínfima minoria e na qual se repetem os cacoetes das fases sectárias que precedem toda afirmação real do proletariado; uma época em que a comunidade em desenvolvimento da luta proletária em escala mundial contra o capital só é consciente de seus objetivos pela ação de alguns núcleos de militantes comunistas dispersos pelo mundo, a organização e a centralização dessa comunidade é e será decisiva, como atividade da vanguarda da classe em escala internacional, para que essa comunidade de luta seja consciente de sua força, de seus objetivos e perspectivas.

Esta tendência à organização mundial do proletariado, sua afirmação programática e sua centralização orgânica colidem e colidirão cada vez mais violentamente contra todas as forças e ideologias da contra-revolução que descrevemos, parcial mas essencialmente, nestas Teses, e, particularmente, contra os portadores de consciência à classe operária, contra os construtores de partidos e de internacionais que consideram que as "condições objetivas" estão maduras e que só é necessário "consciência e vontade" para criar "O Partido", "A Internacional" etc., e que na prática atuam em contraposição flagrante com a comunidade de ação do proletariado revolucionário emergente.

55.

Com efeito, apesar de ainda vivermos numa fase de reconstituição embrionária do proletariado (fase sectária, por excelência), apesar das insuficiências, das debilidades, das experiências parciais, do desconhecimento da obra das frações comunistas etc. e mesmo estando numa fase embrionária, volta-se a sentir hoje em todo o mundo a necessidade de centralização internacional, a necessidade de constituir uma única direção internacionalista e comunista.

Frente a isto, desenvolve-se, mais uma vez, um conjunto de ideologias que já agora constituem o principal obstáculo àquela tendência. Merecem destaque, em primeiro lugar, todas aquelas que consideram a "internacional" por vir como um agregado de partidos nacionais já constituídos. No mesmo plano se encontra o conjunto dos criadores de internacionais, que em geral têm muito pouco a ver com a real comunidade de vida e luta do proletariado internacional e que, em intermináveis debates, imaginam um conjunto de princípios formais aos pretendem moldar o movimento, chegando a elaborar as normas ideológicas (declaração de princípios) que, segundo eles, deveriam garantir contra os desvios. Nunca uma organização, produto da classe operária e instrumento da revolução social, se organizou com tal base. Esse é o esquema clássico das organizações ideológicas do capital, das igrejas aos partidos políticos burgueses. Em particular, estes construtores de internacionais continuam a linha histórica da segunda internacional e de seu centro formal. A organização internacional do proletariado será o produto histórico (e não imediato) da organização e centralização da comunidade de luta contra o capital que se desenvolve praticamente. E, como tal se situará, mais uma vez, fora e contra todos aqueles que pretendem moldar o movimento proclamando do alto de uma tribuna um conjunto de princípios ideológicos. A efetiva prefiguração do Partido internacional de amanhã existe hoje na ação real do conjunto ainda não centralizado de minorias proletárias que, em sua luta real, em suas rupturas sucessivas, voltam a se situar na linha histórica do Programa invariante e do Partido.

56.

Nosso pequeno grupo é uma expressão dessa comunidade de luta do proletariado, dessa tendência à reapropriação programática de toda experiência secular acumulada pelo proletariado mundial. Concretamente, resulta da centralização do conjunto de negações e rupturas, de uma experiência de luta e do balanço das derrotas, realizado por diferentes companheiros, em diversas latitudes, com base na teoria comunista e na experiência acumulada por gerações de revolucionários em todo o mundo. É um esforço coletivo, organizado, consciente e atuante, de centralização internacional do proletariado. Como tal, o Grupo Comunista Internacionalista, atua de forma consciente e voluntária, baseado no programa comunista invariante, do qual as teses aqui expostas são uma expressão, para dirigir o processo de constituição do Partido Comunista Mundial e a Revolução Comunista. Esta tarefa, gigantesca e invariante, que consiste em assumir consciente e voluntariamente as determinações materiais que impulsionam o desenvolvimento da comunidade de luta proletária e são as premissas indispensáveis para o Partido e a Revolução de amanhã, será a obra coletiva de milhares de quadros revolucionários e já é assumida por grupos e militantes revolucionários em diversas partes do mundo. Dadas as condições de que emerge, a comunidade de ação revolucionária, após décadas de contra-revolução, hoje resulta mais evidente do que nunca, é uma comunidade prática de necessidades e interesses proletários afirmados na luta contra o capital e cristalizados na ação de minorias de vanguarda, muito antes de ser uma comunidade de consciência (inclusive no que respeita a estas minorias). A organização, a centralização dessa comunidade, que irá se afirmando mediante a coordenação da ação contra o capital (que se desenvolve hoje de forma desorganizada), se contrapõe então necessariamente a todo tipo de critério de demarcação ideológica, é e será uma demarcação eminentemente prática, de luta. No próprio seio dessa comunidade em desenvolvimento e em afirmação, em cada grupo de militantes que atuem para dirigir esse processo (e, evidentemente, também em nosso Grupo) são e serão inevitáveis as diferenças teóricas, as discrepâncias – inclusive importantes – mas a única forma de resolvê-las será no próprio interior dessa comunidade, único espaço político em que tem sentido a discussão: entre companheiros.

57.

Situar-se,hoje,na linha histórica do Partido significa atuar,da forma mais conseqüente possível e sempre que nossas escassas forças o permitam: como os proletários mais decididos, os que impulsionam o resto do proletariado;na real comunidade de luta contra o capital, tentando fazê-la consciente de sua existência, de sua força, de sua perspectiva, organizá-la e dirigi-la; com a mesma firmeza, ser taxativo e enfrentar o inimigo, em todas as suas variantes, incluindo o oportunismo e o centrismo, mas ser companheiro e solidário com todos os proletários que lutam contra o capital,em todas as partes do mundo; continuar infatigavelmente a atuação histórica, iniciada pelas frações comunistas, de balanço das experiências e derrotas do passado, e de formação dos quadros revolucionários; assumir o fato de que nosso grupo,como qualquer outro grupo de revolucionários, é uma expressão, uma estrutura, necessária e indispensável para a constituição do Partido, mas não é o Partido mesmo, que no desenvolvimento do partido em termos de arco histórico, nosso grupo, como outros, é somente um episódio efêmero na vida do Partido e nas tentativas para constituir um órgão de direção internacional. Da mesma maneira que a Liga dos Comunistas e inclusive a Internacional, não foram mais do que episódios (indispensáveis) na vida do Partido, nossa ação e nossa vontade estão dirigidas explícita e conscientemente a superar a forma atual e ainda grupuscular que constitui, entretanto, uma mediação indispensável para tal superação. Falar de partido histórico, sem ser conseqüente e assumir uma atividade prática, necessariamente grupuscular, é idealista e reacionário. Mas ter clareza de que o grupo não é um fim, mas uma mediação a superar, é fundamental e demarcatório.

58.

Com base nestas teses, chamamos todos os militantes e grupos revolucionários a centralizar seus esforços com os nossos, na luta pela ditadura do proletariado para abolição o trabalho assalariado. Na comunidade de luta de que somos parte, não se trata de somar pontos ideológicos de diferença e de coincidência; mas de coordenar efetivamente a prática comum que já realizamos e que se potenciará por tal coordenação. Não se trata de resolver as insuficiências e debilidades que nós temos, cada um por sua conta, cada um em seu lugar, o que é diretamente impossível; mas, pelo contrário, de estruturar e centralizar a prática comum que nos unifica e que constitui o quadro adequado para a discussão militante e para resolver os enormes problemas que temos diante de nós. Companheiros, é na prática revolucionária conseqüente, na resposta em todos os níveis e em todos os planos aos ataques do capital que se formará a direção revolucionária que necessitamos. Até hoje, todas as "revoluções" se fizeram em nome da ciência e da razão. A isto corresponde o fato de que seus ideólogos sempre listaram os princípios com os quais queriam moldar o movimento. A revolução que temos frente a nós não tem nada a ver com tudo isso, surge da necessidade mais profunda do homem real concreto, do proletariado afirmando seu interesse numa vida verdadeiramente humana e,como tal,é e será uma ruptura profunda com toda ideologia, com a ciência, com a razão, com a própria idéia de progresso. Companheiros, assumamos o que realmente somos e pelo que surgimos, assumamos a prática conseqüente e revolucionária do comunismo, do Partido Comunista.

Grupo Comunista Internacionalista (GCI)

Leia "Comunismo" - orgão central em português do GCI