COMUNISMO

Dictatura do proletariado para a abolição do trabalho assalariado

Orgão central em português do Grupo Comunista Internacionalista (GCI)


COMUNISMO No.2 (abril 1985):



Introdução

Estas linhas pretendem explicar brevemente porquê existe o nosso grupo, que papel pretende desempenhar, a que realidade responde, quais são os eixos históricos aos quais ele deve as suas bases programáticas e a que tarefas ele se fixa. Entre as nossas tarefas colocaremos a publicação da presente revista concebida especialmente para a fracção da vanguarda do proletariado de expressão portuguesa que em qualquer parte do mundo luta para se organizar e para que renasça a organização do proletariado como classe.

O nosso grupo é o produto da síntese, embrionária ainda, das experiências particulares regionais do proletariado mundial ligando-se à obra dos comunistas que sempre existiram: a tarefa de direcção, de centralização... das lutas e de compreensão da experiência global da classe operária mundial na sua luta contra o capital, sistematizada pelas fracções da esquerda comunista. Destas fracções, herdamos uma compreensão materialista dialéctica e ainda a compreensão da necessidade vital de agir organizadamente para contribuir para a transformação do mundo.

Explicar a nossa constituição implica então: 1) opor, a todas as fábulas que a burguesia tem construido a volta do fantasma do comunismo, os eixos centrais do movimento comunista que se desenvolve no capitalismo e contra ele, quer dizer, especificar as forças da revolução e da contra-revolução; 2) mostrar a importância da acção dos revolucionários; 3) caracterizar a situação actual; 4) sobre esta base reafirmar as tarefas permanentes dos comunistas e portanto as nossas.

Capitalismo e comunismo. Contra-revolução e revolução.

A história do capitalismo mundial é a história da exacerbação, do reforço das contradições e antagonismos de classes. Cada nova expansão acaba necessariamente numa crise cada vez mais violenta e que abrasa o planeta inteiro.

A solução capitalista para a crise é sempre a mesma: miséria para os operários, austeridade, expulsão de forças de trabalho do processo produtivo, centralização estatal, economia de guerra, fortificação democrático-terrorista do Estado, destruição das forças produtivas, guerra imperialista.

Frente a isto e contra isto, o proletariado fortifica-se pela afirmação do programa comunista: luta contra a exploração, organização do proletariado em classe e portanto em partido, destruição das relações burguesas de produção, destruição da lei do valor.

Cada crise do crescimento capitalista é portanto uma manifestação de crise social global, que se concretiza pela explosão brutal da contradição entre dois projectos sociais antagónicos: a conservação do capital, que é necessariamente a contra-revolução, e a revolução, que, ou se impõe, se estende e se generaliza, ou é destruída.

A "solução" burguesa para a crise do capital é, na sua essência, parcial e limitada no tempo. O novo desenvolvimento do capitalismo, que a solução burguesa permite, desenvolve necessariamente o proletariado, fortifiça-o e concentra-o. O ritmo da nova expansão determina o nível da nova crise, o desenvolvimento dos a mimos de classes e a afirmação da decomposição da sociedade: a nova vaga revolucionaria é tão certa como a nova crise.

A solução comunista para a crise é necessariamente mundial e definitiva. Não consiste em minimizar ou abolir os efeitos do capitalismo, mas sim o próprio capitalismo: não se trata de propor um melhoramento dos salários ou uma melhor gestão da sociedade, mas sim desenvolver a guerra de classe para a abolição do trabalho assalariado. Não consiste em democratizar o Estado mas em liquidá-lo.

A contra-revolução conseguia abortar os enormes esforços que o proletariado tem feito para estender a sua revolução, destruindo assim físicamente e politicamente os bastiões operários da vanguarda. Contrariamente áquilo que a burguesia nos quer fazer pensar acerca da gloriosa luta do proletariado no mundo, esta nunca levou a qualquer melhoramento das suas condições de vida, mas trouxe-lhe unicamente uma experiência acumulada. Se hoje é necessário repetir tais evidências é porque a contra-revolução que se impôs no mundo (concretizada particularmente pelo massacre de operários que foi a segunda guerra mundial) mantém ainda uma enorme predominância ideológica.

A reprodução ideológica da contra-revolução exprime-se em vários planos e níveis. Um deles permite conciliar os intesses de todas as fracções burguesas: é a teoria" dos três mundos. Fazendo abstracção das várias distinções súbtis que as diversas fracções do capital lhe traz, esta ideologia tem como denominador comum a divisão do proletariado mundial, o seu enquadramento em políticas regionais antagónicas aos seus interesses gerais, aos seus interesses de classe. Estes interesses particulares, regionais "teoria" servem na sua totalidade burguesia. Segundo esta "existiria um primeiro mundo desenvolvido e capitalista onde operários não teriam vantagens em lutar para a revolução comunista mas antes para a defesa da democracia, das instituições "sociais" e para reformas de estruturas (nacionalização, autogestão). Existiria um segundo mundo "socialista" onde só seria necessário melhorar o socialismo realizando uma série de reformas democráticas ou de "revoluções" estritamente políticas. No terceiro mundo é evidente que a revolução também não pode ser feita por se tratar de países "subdesenvolvidos", "pre-capitalistas", onde seria utópico fazer outra coisa a não ser lutas de libertação national, apoiar mais ou menos críticamente a fracção nacional e democrática da burguesia na sua luta contra o subdesenvolvimento e a dependência imperialista.

Sinteticamente, trata-se aqui de subtender permanentemente proletariado às fracções "progressistas" ou "nacionalistas" do capital, quer dizer manter a sua desorganização como classe. O conjuntos das distinções que se operam a partir desta base comum devem-se ao facto da burguesia, pela essência do seu regime - a concorrência - ser sempre confrontada aos conflitos; de interesses no seu próprio seio.

A união de burgueses - centralizações, estados, constelações de estados, organizações estatais internacionais - nunca se baseia na eliminação das contradições na união, mas ela realiza-se unicamente para confrontar, para além das suas divisões, nas melhores condições possíveis, a guerra comercial imperialista e a guerra de classe. E por isso que embora toda a burguesia esteja mundialmente de acordo com os "3 mundos" (o que implica a identificação do socialismo com a estatização, e o subdesenvolvimento com o extra - capitalismo), quando se trata de pôr os operários ao serviço duma ou doutra fracção, duma ou doutra organização em força estatal, a burguesia então aparece sempre dividida. Alguns farão a apologia de tal "pais socialista", outros salientarão as atrocidades da repressão nesse mesmo país; alguns justificarão a política militarista da NATO ou da China em nome da supremacia nacional e/ou do socialismo; outros aquela da Rússia no Afeganistão, de Cuba em África, do Vietname no Cambodje e isto sempre em nome da democracia, da autodeterminação dos povos e do socialismo; por fim, sempre em nome da democracia, alguns justificarão a política do capital imperialista que, através dos governos inglês, americano, francês etc. garante a ordem macabra do capitalismo na Irlanda, na América central, na África etc... outros, combatentes da democracia, apoiarão militarmente as fracções burgueses que nesta ocasião adoptam a bandeira da libertação nacional, tal como aqueles que no seu campo mantêm a ordem terrorista do capital organizado (Polónia, Moçambique, Angola,...).

Aqui não pode haver acordo: cada fracção do capital luta para apropriar-se das bandeiras mistificadoras que deram tão bons resultados durante a dita segunda guerra mundial (democracia, supremacia nacional, antifascismo...), cada um tenta utilizar os operários como carne para canhão do seu campo imperialista.

É por isso que é preciso insistir no facto que o regime de exploração capitalista é mundial, e que portanto o proletariado não tem pátria, não tem nenhum interesse regional, sectorial a defender; que é tão absurdo e reaccionário imaginar que o socialismo poderia existir num só pais como o seria de conceber o capital num só feúdo. E preciso sempre repetir que o capitalismo só é uma fase transitória para toda a humanidade, que a sua destruição será necessariamente mundial.

A própria denominação do nosso grupo contém uma tautologia deliberada, a saber: comunista internacionalista. E óbvio que o comunismo contém a prática internacionalista, a abolição do dinheiro, da mercadoria, de todo o Estado, das classes sociais. Se hoje ainda é indispensável salientá-lo, é porque o peso da contra-revolução estalinista, democrática, fascista ainda é enorme, e que o programa comunista, apesar das grandes massas operárias que lutam objectivamente para a sua afirmação, permanece, no que diz respeito à sua expressão teórica, absolutamente desconhecido, enterrado e desfigurado pelas ideologias capitalistas.

Repetimos o que Marx e Engels afirmaram há um século: o comunismo não é um ideal, nem um conjunto de receitas a aplicar à realidade, é pelo contrário o movimento real de destruição de toda a ordem estabelecida. O programa comunista não se compõe unicamente das armas da crítica mas também da crítica pelas armas. A sua afirmação é ao mesmo tempo compressão teórica da acção e a acção ela-mesma. A sua força não deriva unicamente duma compreensão materialista do mundo, ela implica também a prática subversiva revolucionária contra a sociedade burguesa.

A essência da luta do proletariado, qualquer que seja a forma que toma o capitalismo não se modifica na medida em que o antagonismo da sociedade capitalista é sempre o mesmo. A resolução deste antagonismo não pode ser o resultado de diferentes "programas", mas sim o resultado do desenvolvimento e da fortificação do movimento de decomposição do capitalismo, quer dizer do movimento comunista, unidade indissociável de objectivos e meios, afirmação prática do proletariado como classe autónoma mundial. E por isso que se numa fase de revolução as tarefas ou as formas de actuar dos comunistas podem ser diferentes daquelas necessárias numa fase de contra-revolução, o eixo central da sua acção é sempre o mesmo, defesa prática do programa comunista, luta para a constituição do proletariado como força política estruturada organicamente a nível internacional.

As fases de revolução caracterizam-se pela afirmação do programa comunista em toda a sociedade, o que se concretiza simultaneamente: a) no surto brutal da crise general1zada da sociedade burguesa; b) na unificação e associação do proletariado pela centralização orgânica da sua acção revolucionária pela qual; c) ele se dota duma direcção comunista; d) confrontando à totalidade das fracções burguesas na luta aberta contra o Estado. As fases de contra-revolução caracterizam-se por:
a) a imposição de condições sociais económicas e políticas que permitem uma nova fase de acumulação capitalista, e portanto a reconstituição de sociedade burguesa e a superação mais ou menos durável da crise;
b) a desorganização do proletariado que de força orgânica única torna-se um aglomerado de associações "imediatas" que abandonam progressivamente os seus interesses de classe. Aglomerado compensar do qual se demarcam alguns grupos isolados das massas que tentam compensar. Temos portanto nesses períodos a dispersão e a desorganização física (massacres, prisão, exílio) e ideológica (imposição da mitologia burguesa sobre o conteúdo real da luta operária para, envilecendo-o, traíndo-o, utilizá-lo contra o proletariado), a destruição da vanguarda organizada;
c) a repolarização da sociedade burguesa na base dos interesses fraccionais da burguesia tendendo a utilizar os operários como massa de manobra e como carne para canhão.

Portanto, encontramo-nos frente à revolução, fase de unificação, de centralização, de fortificação das forças operárias e à contra-revolução como fase de dispersão, atomização destas mesmas forças operárias, com as consequências que daí resultam: luta furiosa contra a exploração ou desenvolvimento desta, revolução ou guerra e massacres de operários.

As fracçoes comunistas e as suas necessidades históricas

Revolução e contra-revolução, expressão das duas classes da sociedade são, até a destruição total do capitalismo, forças e realidades relativas. A função predominante da democracia, da burguesia organizada em Estado é, qualquer que seja a sua forma, destruir desorganizar, recuperar todas as tentativas de associação autónoma do proletariado. O seu objectivo permanente é de abortar ou de desviar a organização do proletariado em partido. Mas não pode destruir a utilização da força de trabalho que permite a reprodução ampliada do regime de exploração capitalista, nem eliminar os antagonismos que são inerentes à sua própria essência. É portanto incapaz de impedir as necessárias manifestações de decomposição do regime e o reaparecimento das associações cada vez mais fortes mais firmes e mais poderosas. Cada afirmação do proletariado como força política, quer dizer cada afirmação do programa comunista, da revolução comunista, significou geralmente um importante avanço em relação ao passado. Cada derrota põe necessariamente em evidência fraquezas e incoerências do movimento que é indispensável compreender para superar.

Todo o fracasso da revolução pode ser explicado em última instância pela ausência da totalidade das condições materiais - incluídos os factores subjectivos. No entanto, do ponto de vista proletário, a "ausência de condições" não pode servir de pretexto à inacção nem constituir uma explicação suficiente. Também não se pode explicar nada pela conduta do inimigo (traidores, o PS ou o PC "traiu") que obviamente utilizou todos os meios e forças ao seu alcance contra a revolução.

Do ponto de vista do proletariado, as derrotas devem ser explicadas pelas próprias fraquezas do movimento, fraquezas concretizadas numa afirmação inacabada da sua constituição em partido, em força política autónoma. Esclarecer os eixos de tais fraquezas, quer dizer as suas causas, as forças, os mitos que abortaram o processo de constituição em partido, constitui nos momentos de desorganização e de dispersão, nos momentos em que a contra-revolução vence, o ponto de partida e a indispensável condição de toda a prática revolucionária.

Efectivamente, o que permite à revolução de se afirmar a um nível cada vez mais elevado (1848, 1871, 1917-23) é, por um lado que todos os antagonismos do capital são cada vez mais insuportáveis e que o proletariado é cada vez numericamente mais forte e mais concentrado pelo desenvolvimento mesmo do capital e, por outro lado, que a acção voluntária duma fracção do proletariado assegura uma real continuidade teórica programática entre cada vaga revolucionária e isto apesar da contra-revolução. Sem esta acção voluntária que condensa e explicita o programa da contra-revolução e da revolução, que assegura a formação dos quadros revolucionários, o proletariado deveria recomeçar cada vez a sua história repetindo os mesmos erros.

A política de desorganização do proletariado, de reprodução da situação contra-revolucionária baseia-se não só na repressão física e militar mas também:
1) na falsificação e na negação da luta de classe;
2) na utilização do nome dos dirigentes do proletariado vazando o conteúdo das suas acções;
3) na utilização-deformação-recuperação e desnaturação ao serviço da contra revolução da terminologia, das expressões utilizadas pelos revolucionários;
4) na difusão como sendo "os objectivos do proletariado" a reforma e a democratização do capital (e não a sua destruição).

Os intelectuais do regime são especialistas na revisão e falsificação, na utilização das fraquezas, nas explicações que dizem respeito ás revoluções abortadas, escondendo as finalidades reais desta: o comunismo. A isto, o proletariado opõe a obra das fracções comunistas que, combatendo toda a falsificação revisionista que entrava na organização do proletariado em partido críticando impiedosamente tudo aquilo que existe, trabalham pacientemente pela reconstituição do proletariado. Esta tarefa de afirmação teórica, programática, implica:
1) a reconstituição da história da luta de classes tendendo a assegurar a memória colectiva do proletariado;
2) a formalização teórica - teses - do ponto mais elevado de afirmação programática, o que implica necessariamente a análise e crítica das fraquezas e dos erros;
3) a fortificação e o desenvolvimento da sua própria forma organizada - núcleos - assumindo na prática a acção directa contra o capital, actuando deliberadamente na organização e centralização desta, quer dizer, constituindo, não só nas suas orientações gerais, mas na totalidade do movimento, a parte mais decidida da classe; em síntese: constituindo um núcleo indispensável da direcção do partido comunista.

Hoje, no mundo inteiro, falar de estrutura de organização, de partido, de centralização, de vanguarda provoca, incluindo em alguns dos proletários mais combativos, uma reacção negativa imediata: estão fartos de ouvir falar de partido, de organização, de centralização por aqueles que são os piores inimigos da nossa classe e da nossa luta. A indispensável luta contra estas organizações "socialistas" foi transformada pela contra-revolução em alergia a toda a forma de organização. Mas este terreno continua a ser o terreno da contra-revolução: a negação pura e simples da organização não é mais que a anarquia no seio do movimento operário, o espontaneismo, o imediatismo, a predominância do indivíduo e do seu livre arbítrio,... resumindo, a reprodução da democracia com o seu cortejo de demagogia, de populismo, de assembleísmo, de eleitoralismo e sobretudo de repressão terrorista permanente contra toda fracção do proletariado que queira organizar-se contra esta situação. Isto é sempre verdade, mas mais ainda nos momentos de luta intensa, porque "nos períodos de crise a falta de cabeça é um crime contra o partido" (Marx). Os anti-partidos, pelo trabalho desorganizador deles, facilitam o trabalho da burguesia e podem portanto ser considerados como fazendo objectivamente parte desta burguesia, porque não se julgam as pessoas pelo que pensam delas próprias mas em função das suas práticas. Para deixar o terreno da contra-revolução, a negação desta negação simplista impõe-se: é preciso que a crítica se transforme em destruição, em luta de morte contra todas os burgueses e em organização proletária radicalmente diferente (1).

E a organização comunista é radicalmente diferente. Diferencia-se de alto a baixo de todas as organizações burguesas. O mesmo antagonismo que separa o comunismo do programa destes "senhores" que cons1ste geralmente em nacionalizar, estatizar os meios de produção, quer dizer fortificar o Estado capitalista, opõe a organização do proletariado em partido comunista ao conjunto das ditas organizações.

É verdade que a falta de partido não é uma explicação suficiente (2) da reprodução da contra-revolução, já que esta "explicação" só deslocou o problema que a partir daí é o seguinte: porque não houve partido?... Encontramo-nos frente a necessidade e à inelutabilidade de compreender as causas materiais que determinaram as derrotas no passado e que continuem a tornar possível o triunfo da contra-revolução. Mas toda a tentativa de romper o círculo vicioso da contra-revolução e portanto a sua explicação é necessariamente uma tentativa organizada e indiscutivelmente uma obra do partido.

A situação actual

A extraordinária expansão permitida pelas destruições da segunda guerra mundial começou a manifestar os seus primeiros limites nos anos 50 e (em certas partes do globo) a partir desta data a crise recomeça a manifestar-se. Torna-se a ouvir outra vez discursos sobre a necessidade de "apertar o cinto" sobre o "esforço nacional para aumentar a produção" etc. Ao mesmo tempo e contra isto, as lutas operárias recomeçam. Tratava-se somente do primeiro sintoma cíclico da crise do capital para qual certas zonas do mundo deixaram de ser rentáveis, pois nunca recuperaram os seus antigos ritmos de crescimento. Estas primeiras manifestações puderam ser repartidas entre as diferentes áreas capitalistas e algumas puderam inclusive aumentar o seu ritmo de expansão até que novas manifestações cíclicas da crise do capital nos meados dos anos 60 e posteriormente em 74/75 desmentiram uma vez mais toda a mitologia dum capitalismo sem crise generalizada. Se, nos anos 50, a crise podia ser retida e fechada em algumas áreas geográficas, se, nos anos 60, ainda havia algumas áreas que podiam atenuar os seus efeitos nefastos, nos anos 74/75, 81/82, nenhum pais esteve ao abrigo da crise. Além disso, o ciclo à retomada é cada vez mais curto entre duas sacudidelas depressivas de toda a economia mundial e é cada vez mais ridículo nos seus efeitos positivos.

Chega-se a uma situação onde nos anos 83/85 a parte mais positiva do ciclo (para o capital evidentemente) passasse-a ao nível mundial com uma acumulação quase nula, e, visto que a maioria dos investimentos são restruturações e racionalizações, o desemprego não será reduzido, mesmo neste período, e a sub-ocupação da capacidade produtiva instalada também não diminuirá. Tudo isto só anuncia que o momento mais brutal da depressão esta para vir. Se no final dos anos 50 e dos anos 60 a resposta burguesa à crise (aumento directo da taxa de exploração, fim do aumento dos salários reais e princípio das suas diminuições para tentar evitar a reprodução simples) assumia uma brutalidade anti-operária nas regiões mais atingidas do mundo e podiam portanto ser apresentadas como sendo a política, exclusiva de certas fracções do capital (3), a partir de 74/75, até o triunfo duma das classes da sociedade a política burguesa que consiste em obrigar os proletários a apertar o cinto, a intensificar a exploração por todos os meios, não pode mais ser apresentada como o facto, o monopólio de certas fracções ("atrasadas") da burguesia mundial: é sem excepção a política económica de todos os países do mundo. Hoje, a política da blocagem dos salários, do aumento dos preços, da "batalha da produção", do "esforço nacional para aumentar a produção" com o necessário terrorismo estatal, não caracteriza somente a Argentina, a Polónia, a Alemanha de Leste, a Itália, Cuba e o Chile, mas abrange sem excepção o mundo inteiro, incluindo os maiores centros de comando do capital internacional: USA e URSS.

Do ponto de vista burguês, uma nova expansão sustida só é concebível em termos de reconstruição. A guerra imperialista que na realidade nunca cessou desde a segunda guerra mundial tende a generalizar-se cada vez mais ao globo inteiro. Mais uma vez, confirma-se o longo ciclo infernal do capitalismo: expansão - crise (4) - guerra generalizada - reconstrução - expansão - crise - guerra generalizada - reconstrução etc...

Hoje como ontem, guerra imperialista generalizada ou revolução comunista são as únicas perspectivas. Hoje como ontem a directiva comunista é de opor à guerra imperialista a guerra revolucionária contra a burguesia que está à nossa frente.

O triunfo da revolução comunista mundial só é possível eliminando as fraquezas do passado. Quer dizer só se o proletariado conseguir reapropriar-se da experiência do passado, identificar os erros cometidos nas suas batalhas mais grandiosas e confrontar-se com a máxima decisão a todas as forças, a todas as ideologias que conseguiram desarmá-lo no passado. Apesar da luta de classe nunca ter cessado, apesar dos grandes confrontos, apesar das insurreições abortadas que caracterizaram a luta no mundo inteiro nestes últimos anos, a mais brutal e comprida contra-revolução que conheceu o proletariado e que foi aberta depois da vaga revolucionária de 17-23 ainda predomina. A generalização da crise do capital e a sua funesta perspectiva começa só a acordar a força gigantesca do proletariado mundial depois do mais comprido e profundo sono contra-revolucionário de toda a sua história. Este processo é lento e inigual e reduz-se às vezes a certas zonas (e isto principalmente nos anos 50). O capital tenta derrotar o proletariado país por pais, mas não poderá evitar o recomeço geral e superior (quantitativamente e qualitativamente) de sobressaltos operários como aqueles que caracterizaram os países de todos os continentes entre 1967-1983.

As diferenças na "repartição mundial da crise" criam diferenças no momento, nos meios e nas formas de ataque contra o proletariado e isto provoca reacções "desfasadas" da parte do proletariado, tanto do ponto de vista da intensidade que do momento (5). A burguesia utiliza isto para isolar cada luta na "sua" nação. E portanto evidente que a luta de classe e a situação do proletariado é diferente nas distintas zonas do globo, que a guerra entre revolução e contra-revolução apresentará como no passado enormes diferenças por regiões. Mas a crise do capital é mundial e a sua exacerbação aparece abertamente como tal: o conteúdo fundamental da política anti-operária de todos os Estados é o mesmo (trabalhar mais, receber menos) qualquer que sejam os meios, os mitos, as tácticas que a burguesia utiliza para fazer digerir a crise ao proletariado, qualquer que sejam a forma, a fase, a intensidade do combate proletário no mundo: o seu conteúdo, a sua perspectiva é comunista e mundial.

Se bem que toda a acção voluntária, decidida, organizada dos militantes comunistas sofra irregularidade na intensidade e nas formas dos confrontos, não se pode perder de vista a perspectiva da luta mundial das duas classes antagónicas. Por exemplo, seria suicidário ignorar que em certas zonas a situação contra-revolucionária é a mais impressionante que o proletariado conheceu ao longo da sua história (6), a sua ruptura não pode precisar-se no quadro regional, mas será o resultado inevitável das explosões sociais nas zonas onde o proletariado desta geração não foi vencido e onde ele começa a entrar em luta agora. E evidente que se a situação do proletariado mundial fosse aquela das zonas de total contra-revolução, a contra-revolução seria total, mas infelizmente para a burguesia mundial, a situação no mundo inteiro é outra, e, lenta mas segura, a luta do proletariado renasce em todos os continentes.

Entre a tentativa de destruir região por região o proletariado e a generalização mundial da crise histórica do capital, existe uma tensão dialéctica: a derrota do proletariado numa zona pesa mais ou menos directamente na luta do mundo inteiro, mas hoje a luta operária contra a política generalizada de austeridade e de intensificação do trabalho não pode ser contida em nenhuma fronteira, e isto torna instável qualquer derrota, incluindo as mais espantosas, abrindo assim a porta a uma nova perspectiva de lutas revolucionárias generalizadas a nível mundial. Isto é a perspectiva da nossa classe, é a perspectiva comunista.

Guerra comunista internacionalista e a revista "Comunismo"

Com a formação do GCI, organizamo-nos internacionalmente para contribuir para o processo de constituição do proletariado em classe e portanto em partido.

A nossa acção geral inscreve-se na perspectiva geral que sempre caracterizou os comunistas. É por isso que a nossa estrutura organizativa não tem como objectivo "formar um partido distinto aparte dos outros partidos operários" (Manifesto) mas criar um factor activo, consciente, voluntário na monumental tarefa de organização do proletariado em partido mundial de classe. Dado que os comunistas "não têm interesses que os separam do conjunto do proletariados, que não têm princípios particulares segundo os quais pretendem modelar o movimento operário ", não pretendemos ter a posse exclusiva do "programa da revolução comunista", não nos auto-proclamamos "o Partido". A nossa estrutura organizativa obedece pelo contrario à necessidade histórica de assumir as tarefas que desde sempre caracterizaram as fracções comunistas de vanguarda que se "distingue dos outros partidos proletários por fazer prevalecer os interesses comuns ao proletariado inteiro sem consideração de nacionalidade". Por outro lado, nas diversas fases da luta entre o proletariado e a burguesia, as fracções comunistas "representam sempre o interesse do movimento no seu conjunto".

A tendência para a organização do proletariado em classe, em partido mundial é determinada pelas condições comuns gerais de exploração assalariada, pelos interesses gerais que daí derivam, e acentuada na fase actual pela crise generalizada do capital. No entanto a ruptura orgânica e teórica no tempo e no espaço das organizações comunistas impediu a manutenção e o desenvolvimento da memória colectiva da classe. Cada luta operária do presente mostra ainda fraquezas e indecisões que os comunistas sublinham há mais de um século. O balanço de todas as derrotas quando assumido pela classe constitui uma arma decisiva mas continua hoje coberto pelo pó da contra-revolução. Em cada batalha mais ou menos generalizada o proletariado deve aprender de novo, passo a passo, com tudo o que isto pode representar de custo social, com as lições inscritas pela luta de classe na carne do proletariado em outros tempos e outros lugares.

Apesar do esforço das fracções comunistas que durante e após a derrota da mais poderosa vaga revolucionária do proletariado mundial se separam e rompem com a terceira internacional em decomposição, não se conseguiu quebrar as barreiras do espaço e do tempo na reconstituição da memória colectiva da nossa classe. Durante o período que precede a segunda guerra mundial, reunida a volta de Prometeo e Bilan, a esquerda comunista italiana constituiu a mais importante tentativa do proletariado mundial nesse sentido.

A esta tarefa indispensável para a vitória do proletariado mundial, o nosso grupo, de recente criação (1978) contribui e contribuirá activamente: tratando de desenterrar a história da luta de classe retomando o balanço (logicamente incompleto) realizado pelas fracções comunistas, demonstrando a continuidade programática da revolução e da contra-revolução no tempo e no espaço.

É necessário sublinhar duas coisas: 1) esta tarefa indispensável é inseparável das outras: assim os nossos militantes, na medida das nossas forças, agem de maneira mais concreta nos países onde se encontram, no combate permanente da nossa classe contra o capital; 2) se as nossas forças não se dispersam nas gigantescas tarefas que nos impomos, é porque baseamos a nossa perspectiva na necessidade histórica da nossa classe e na situação actual donde deriva a certeza de chegar a uma convergência cada vez mais larga com fracções do proletariado que hoje têm tendência também à defesa prática do programa comunista em diferentes lugares do planeta e a dotar-se duma estrutura orgânica para esse fim.

A nossa atitude anti-sectária, que pomos a frente com um apelo à discussão, à troca de informação, à fortificação dos contactos entre grupos operários, à acção em comun de diferentes grupos contra o capital, atitude aberta à comunidade de trabalho internacional que busca a constituição do partido comunista mundial não deve ser confundida com uma forma qualquer de democratismo. A pratica da nossa classe é essencialmente antidemocrática e todo o avanço na revolução só foi possível porque minorias mais ou menos estruturadas não fizeram caso de toda a consultação democrática rejeitando na prática o princípio da maioria. Uma das grandes lições da contra-revolução é que, não só a clássica democracia burguesa como forma de reprodução do poder do capital constitui uma arma deste mesmo, mas que nos próprios órgãos que constitui a classe operária em luta (sindicatos, conselhos, sovietes partidos, internacionais etc.) a submissão dos comunistas ao principio da maioria sempre foi nefasta. É devido ao facto que, como Marx o tinha visto, a democracia não é somente uma forma dada superior da dominação do capital, mas que é o conteúdo mesmo da dominação numa sociedade mercantil generalizada. (cf. comunismo No.1 "Contra o mito dos direitos e das liberdades democráticas"). Esta dominação, em paralelo com o processo de privatização de cada trabalho e de "socialização" mercantil, baseia-se na dissolução das classes, no indivíduo - comprador - vendedor, operário - cidadão e na recomposição da "sociedade" (7) pela soma dos indivíduos.

Entre as tarefas que se dá a nossa organização internacional, há a publicação dos órgãos seguintes:
- Le Communiste, órgão central em francês
- Comunismo, órgão central em castelhano
- Comunism, órgão central em inglês
- O órgão central em árabe
- Parti de classe, órgão territorial na França
- Action communiste, órgão territorial na Bélgica
- Boletim, órgão territorial na Espanha.

Dentro deste conjunto e contribuindo para a perspectiva geral que acabamos de explicar, publicamos esta revista: COMUNISMO, em língua portuguesa que se dirige particularmente a esta minoria ainda muito fraca dos proletários de expressão portuguesa onde quer que se encontrem. Dirige-se a estes proletários que tentam romper com o enquadramento imposto por todos os partidos e sindicatos do capital e que, contra essas organizações, tentam organizar-se para defender os seus próprios interesses de classe, tentando apropriar-se de novo das indispensáveis aquisições programáticas dos revolucionários que nos precederam.

Porque a difuso será quantitativamente limitada e a periodicidade não regular (por causa das dificuldades de várias ordem que encontramos) seremos obrigados a privilegiar um nível de abstracção extremamente global. Não podemos pretender que esta revista responda ás enormes necessidades da luta e oriente directamente o combate operário. No entanto, não podemos perder de vista que um jornal em português combinando a propaganda com a análise teórica, é capaz de participar na agitação e na ligação das forças operárias ultrapassando as fronteiras com as quais a burguesia tenta manter-nos divididos. Constitui assim um órgão de centralização. Por isso, pedimos especialmente aos nossos leitores que não tomem a presente revista e o conjunto das revistas publicadas pelo nosso grupo, como uma qualquer mercadoria a consumir rapidamente, e passivamente, mas de contribuir para o melhoramento dos seus diferentes aspectos: conteúdo: mandando informações acerca das lutas operárias, publicações doutros grupos proletários, análises sobre as situações de relações de força entre as classes, textos históricos pouco conhecidos, críticas daquilo que foi publicado, etc. difusão: fazendo circular cada revista até ao maior número de leitores possível, fazendo uma subscrição, encorajando alguns camaradas a subscrever, pedindo-nos alguns exemplares para venda, mandando-nos listas de sítios de difusão (livrarias, clubes...).

Propostas do GCI

O grupo comunista internacionalista propõe a todos os núcleos, grupos, militantes e operários revolucionários que vêm a necessidade de organizar e de centralizar internacionalmente a unidade de acção proletária, de constituir uma coordenação baseada na decisão de: É evidente que as possibilidades de pôr em prática imediata os diversos eixos de trabalho nos quais se empenha todo militante ou grupo que participa na coordenação, dependem duma série de factores: a capacidade da coordenação de cada um dos seus elementos a orientar e dirigir as lutas operárias, a amplitude e a radicalidade destas lutas, as deslocações no tempo e no espaço com as quais elas se manifestam nas diferentes casos, etc. Em função das situações particulares, os meios, tarefas e prioridades da luta podem e devem ser diferentes. Por exemplo, onde o exército burguês intervém directamente contra toda a luta operária, a solidariedade entre operários e soldados é vital e o trabalho de organização e de propaganda comunista no exército para lutar contra ele torna-se prioritário. Da mesma maneira, se o conjunto da actividade da nossa classe se situa fora e contra a legalidade burguesa, se é ilegal por essência, existem no entanto casos onde um trabalho publico é possível, ao qual seria infantil renunciar. Pelo contrario, noutros casos, toda a actividade de classe (mesmo a preparação duma greve ou a actividade de reunião) é reduzida à mais estrita clandestinidade. Mesmo se a heterogeneidade das condições de trabalho político não é ligada a nenhuma ilusão legalista, porque todo grupo operário sabe que pode ser constrangido à clandestinidade e deve preparar-se a ela, ela determina características e meios diferentes para a actividade revolucionária (nem que seja para assumir a mesma tarefa de redacção, impressão e difusão duma revista.

As diferentes tácticas adaptadas às diferentes situações ligam-se todas à única perspectiva da nossa classe: a sua constituição numa força mundial para abolir o sistema capitalista internacional. Por isso, sublinhamos, na nossa proposta de coordenação e de organização da unidade, de acção, o empenho geral que todo grupo operário que luta e lutará para os seus interesses de classe terá tendência a assumir, e isto duma maneira mais ou menos imediata segundo as suas forças e as condições sociais da região, pais ou conjunto de países onde está implantado. Uma das primeiras tarefas desta coordenação será portanto concretizar a orientação geral, privilegiando sempre a perspectiva e os interesses do conjunto do movimento para trabalhar para a sua centralização.

No estado actual de dominação da ideologia da contra-revolução, de dispersão e de desorganização das forças revolucionárias, não nos fazemos ilusões sobre as possibilidades de ecos favoráveis à nossa proposta. Mas trabalhamos no sentido duma unidade de acção sobre bases de classe rigorosas, e continuaremos a fazê-lo, porque a única força opondo-se à evolução burguesa para a guerra imperialista é o proletariado mundial que luta para os seus próprios interesses. Uma coordenação como a que propomos pode adoptar o conjunto dos pontos que já citamos, ou acrescentar outros; ela pode concretizar-se a curto prazo ou não; mas ela será constituída porque ela corresponde a uma necessidade social imperiosa que é preciso formalizar ao nível mais internacional possível.

Por isso trabalhamos em toda tentativa de coordenar e organizar a força da classe operária, seja apoiando iniciativas existentes, seja tomando a iniciativa, como fazemos com este texto.

Já sabemos que uma séria de grupos que se dizem operários ou até socialistas ou comunistas não são interessados pela nosso apelo, nem por qualquer tentativa de coordenar as forças operárias internacionalmente. Isto não nos preocupa na medida em que partidos e Estados burguês se dizem operários e socialistas. Pelo contrário, contribui para esclarecer a fronteira entre burguesia e proletariado.

Também não nos preocupamos com os grupos que não se sentem interessados, por causa da sua base ideológica que se situa fora de todo o esforço classista de organização ao nível internacional: seja porque eles consideram que o problema da organização do proletariado em classe e portanto em partido já está resolvido pela sua própria presença porque eles são "o partido mundial"; seja porque, apesar de se dizerem "revolucionários", não estão dispostos a assumir a acção directa contra o capital, e a organização e centralização desta acção, e esperam pela constituição espontânea da classe operária como força.

Pelo contrário dirigimo-nos aos militantes e grupos que tentam assumir na sua pratica as decisões que já sublinhamos como sendo a base duma coordenação a criar. É a estes grupos, que sabemos reduzi dos ainda, que pedimos para deixar de lado todo o espirito sectário, como consequência da nossa época contra-revolucionária.

É a estes grupos e militantes revolucionários, que poderão criticar o factor evidente que na nossa lista não há elementos fundamentais do programa comunista, que dizemos que não se trata de "decretar" o partido mas de criar as condições, as premissas da coordenação e solidariedade das forças operárias que lutam hoje sem nenhuma ligação entre elas.

É a estes grupos e militantes revolucionários que dizemos que não se deve buscar em tal ou tal ponto, nas suas formas de redacção, desacordos teoricistas. Quisemos simplesmente formalizar numa proposta concreta as decisões indispensáveis a um trabalho de coordenação internacional, à qual toda a nossa classe esta interessada. Não queremos defender literalmente esta proposta de trabalho, mas defender o seu sentido geral. Não a consideramos como a nossa propriedade mas como a escrita duma necessidade vital do proletariado que deverá concretizar-se mais tarde ou mais cedo e que apoiaremos sempre, mesmo se a forma que poderá tomar esta coordenação possa ser diferente da que propomos hoje.

Pedimos a todos os militantes e grupos operários para trabalhar connosco na base desta proposta, discuti-la, melhorá-la, publicá-la, traduzi-la, concretiza-la onde actuem, para que se constitua enfim uma força de classe capaz de relegar para sempre esta sociedade de exploração e de miséria no lixo da história.

Notas

1. Com a política, passa-se geralmente a mesma coisa. O proletariado farto das mentiras permanentes dos partidos de esquerda ou de direita, rejeita a política e uma parte importante dos proletários falam do "abandono da política". Eles dizem "não fazemos política" como se pudéssemos decidir, como se, não fazendo política, se impedisse esta de utilizar-nos a nós. De facto o proletariado é constrangido a fazer política. Ele não avança nem um pouco negando-a individualmente. Para negá-la realmente, é preciso negá-la socialmente, quer dizer abolí-la. Ora só existe uma única maneira para a abolir, é a revolução. E, queiramos ou não, é somente uma acção política, a guerra social, que permitira esta revolução. A única maneira de críticar a política positivamente é portanto realizando-a. Não é suficiente negar simplesmente a política burguesa, é preciso negar esta negação que nela fica presa.

2. "... a pretendida análise segundo a qual todas as condições revolucionárias existiam, mas às quais faltava a direcção revolucionária, não tem sentido. É justo dizer que o órgão de direcção é indispensável mas a sua formação depende das condições gerais da luta e nunca do génio ou do valor dum chefe ou duma vanguarda." (Bordiga - 1951)

3. Mais uma vez, os termos de esquerda e de direita não podem servir para esclarecer as coisas: se na América do sul era a direita que aplicava esta política e a esquerda que se situava na altura na oposição, nos países do leste, é a esquerda (do capital evidentemente) que faz este trabalho sujo com a direita na oposição. De facto, não é questão de direita ou de esquerda mas da necessidade de realizaresta política a partir do governo e de apresentar ao mesmo tempo uma certa oposição burguesa a esta política. A diferença de oportunidade governo-oposição é, do ponto de vista da política económica preconizada pelo capital, mais apta a explicar as oposições burguesas que os termos de esquerda e direita. Frente a decisões económicas que se impõem pela essência mesmo do capital, só resta à burguesia a necessidade de repartir entre si as tarefas e de tentar utilizar a inelutabilidade destas medidas na guerra entre as fracções da burguesia. Guerra que só se acalma frente a outras fracções da burguesia mais perigosas ou frente ao proletariado em luta. Assim vemos fracções idênticas da burguesia terem discursos contraditórios conforme ela "se levanta contra as medidas anti-operárias" ou que "toma as suas responsabilidades frente à gravidade da situação" e que toma então ela-mesma directamente estas medidas anti-operárias.

4. Aqui, o termo "crise" não recobre necessariamente uma depressão mas as manifestações, as concretizações da crise histórica do capital: as manifestações cada vez mais graves dos limites da reconstrução-expanção: depressões sucessivas cada vez mais fortes, mais gerais e mais próximas uma das outras.

5. Assim por exemplo, a luta dos anos 67-73 significou em certas zonas a retomada ainda tímida das lutas dum proletariado adormecido durante décadas e noutras zonas o ponte culminante dum confronto que durava e se desenvolvia desde há 20 anos ou mais.

6. Regiões caracterizadas pela imposição das mais duras condições de exploração e de dominação burguesa: redicção do salário real de mais de 50%, liquidação física de toda a vanguarda comunista do proletariado, massacres, prisão, exílio,... sem, no entanto, permitir uma vitória definitiva da burguesia visto a impossibilidade de escapar a crise mundial.

7. Escrevemos "socialização" e "sociedade" entre aspas porque se trata duma sociedade e duma socialização mediatizada pela mercadoria, pela democracia, e que pressupõe portanto que a produção se faz de maneira privativa e asocial e que só se torna social através da mediação do mercado, da negação das classes e dos seus interesses antagónicos(negação terrorista se for preciso), da eleição dum cidadão ou do membro do partido e isto por vantagem único da burguesa.



Líbano, Malvinas, Irão, Iraque, Afeganistão,...

Contra a Guerra Imperialista:

A revolução comunista mundial

* * *

Os focos de guerras imperialistas sucedem-se e generalizam-se dia após dia; os velhos conflitos persistem: Saara, Irão, Iraque, Afeganistão... e novos conflitos aparecem: Malvinas, Líbano,... Depois da reconquista inglesa das Malvinas (que não significa de maneira nenhuma o fim da guerra nesta região entre a Grã-Bretanha e a Argentina (1)), desencadeou-se uma imensa chacina, um real genocídio no Líbano com mortes e prisioneiros "de direito comum" em campos secretos em Israel. E é, como sempre, com o mais perfeito cinismo que se efectua o massacre dos proletários, sem distinção, homens, mulheres, crianças, velhos,... todos são sacrificados no altar do valor; dum lado, o Estado israelita bombardeia tudo o que está vivo no lado oposto, a OLP e consortes refugiam-se por detrás dos não-combatentes... Todos os estados do mundo são ao mesmo título responsáveis, são ao mesmo título assassinos. A natureza imunda de todas as guerras burguesas exprime-se aqui claramente, as guerras burguesas são sempre fundamentalmente, onde for que se produzem e em todos os tempos, guerras anticomunistas, guerras contra o proletariado (2). E é com grandes palavras tipo "direito dos povos", "autodeterminação", "direito à existência", "paz e liberdade",... que em todos os campos se justifica a guerra, a tortura, a barbaridade, a liquidação física e sistemática da população excedentária para o capital (3).

O proletariado para lutar contra as guerras burguesas só tem uma posição "invariável": opor à guerra imperialista, a guerra civil revolucionária contra a sua própria burguesia. A única maneira de travar a guerra imperialista é desenvolver a guerra de classe onde nos encontramos.

"A luta real contra o desencadeamento da guerra imperialista que se perfila no horizonte não se pode conceber abstractamente e unilateralmente sob a forma de acções específicas, mas através da prática e o desenvolvimento da luta internacional das classes. Ela põe perante do proletariado a tarefa concreta de subverter a relação actual das classes com objectivo a destruição do capitalismo. Á guerra, solução capitalista à crise da sociedade burguesa, o proletariado não pode senão opor a sua própria solução: a revolução, instaurando o socialismo." (Jehan - "La guerre impérialiste et les tâches de la Ligue" - 1936 - texto reproduzido na revista Le Communiste No.6)

Enquanto a solução burguesa à crise, a corrida para a guerra mundial generalizada se impõe cada vez mais nitidamente, a burguesia mundial completa os seus preparativos militares e ideológicos (4) à guerra pela multiplicação de reuniões, conferências, campanhas pacifistas, humanitárias, pelos direitos do homem, pela redução das armas nucleares,... aplicação generalizada do velho adágio: "Se tu preparares a guerra, fala de paz". E eis que aparecem, no palco do espectáculo burguês, as boas almas, os padres, os esquerdistas,... pedindo aos estados em guerra (real ou potencial) com grandes gritos: a paz, paix, peace, pax... De facto, todos estas canalhas choramingando pedem verdadeiramente aos nossos exploradores a paz, mas trata-se da paz social, da paz do capital. Choramingar no absoluto contra as guerras, contra a violência e o terrorismo, é essencialmente lutar preventivamente contra as reacções proletárias, contra o derrotismo revolucionário, negação violenta da guerra burguesa pela guerra revolucionária. A função central de toda a ideologia pacifista e assim desmascarada: trata-se de "opor" à guerra imperialista a vir, falsas soluções, a paz burguesa, o "desarmamento" bilateral (5),... que, de facto, só servem a polarizar a opinião pública entre dois lados tão imperialistas um, como outro e que, evidentemente, no dia da explosão guerreira, juntar-se-ão em coro unanimo para defender a guerra, e uma vez mais em nome da paz, da democracia, do socialismo,...

Para a burguesia, pombos e falcões, paz e guerra significam a continuidade com outras formas da mesma política anti-operária: quanto mais a burguesia consegue impor ao proletariado a paz social, mais são preenchidas as condições do desencadeamento da guerra generalizada (6). Quanto menos o proletariado luta contra o seu inimigo frontal, contra "a sua" burguesia, menos meios tem para resistir, lutar contra a guerra futura. E lutando hoje de maneira intransigente contra a desagregação permanente das suas condições de vida e de luta, que o proletariado encontra meios de opor à solução burguesa a sua própria solução de classe, a revolução comunista mundial Romper a paz social, é lutar directamente contra o capitalismo produtor permanente de guerras cada vez mais gerais, cada vez mais mortíferas O programa da burguesa mundial é claro: "Uma só perspectiva: destruições, um conflito permanente, a perda de muitas vidas." (declaração de Perez de Cuallar, secretário geral da ONU)

Antagonicamente a este programa, o proletariado afirma o seu: uma só perspectiva, responder à guerra imperialista pela luta contra o capital mundial e todos os seus estados, desenvolver efectivamente a guerra de classe, a guerra social contra a burguesia do "nosso" país, contra os Estados da burguesia do "nosso" bloco, contra os exércitos dos "nossos" exploradores e dos "nossos" assassinos directos, para a destruição de todos os estados burgueses (7).

Assim é formulada a única resposta proletária às guerras burguesas: o derrotismo revolucionário. Mas hoje como ontem, numerosas forças burguesas tentam desnaturar esta única resposta proletária seja tentando fazer combater os operários atrás de uma bandeira, qualificado de democrata, de socialista, de antifascista - grande especialidade dos esquerdistas que contra ventos e marés conseguem sempre encontrar um campo "menos mau" para apoiar (8) - seja sobre pretexto de "derrotismo new-look" recusando como Kautsky em 1915 de dar um real apelo para a derrota completa da sua própria pátria". Ontem também, as posições contra-revolucionárias exprimiam-se ate Zimmerwald (5-8 de Setembro de 1915) pela voz do pacifismo ou mais subtilmente, pelo intermédio das posições ditas "centristas" de tipo "nem vitória, nem derrota" ou ainda pela limitação de posições aos simples desejos platónicos de tipo "guerra à guerra" sem evidentemente concretizar na prática o real significado do derrotismo: a luta através de todos os meios políticos, económicos, militares,... pela derrota da "sua pátria", do "seu campo", e do "seu bloco". Lenine atacava vivamente R. Luxembourg (Junius) que não compreendia que:

"A revolução era de actualidade em 1915-1916, era incluída na guerra, nascia da guerra. Era o que se devia 'proclamar' em nome da classe revolucionária precisando até ao fim, sem medo, o seu programa, isto é: o socialismo, o qual é impossível em tempo de guerra sem guerra civil contra a burguesia super-reaccionária, criminal, que condena o povo a calamidades sem palavras. Era necessário meditar em acções sistemáticas, coordenadas, praticas, absolutamente realizáveis qualquer que tenha sido a rapidez de desenvolvimento da crise revolucionária. Estas acções estão indicadas na resolução do nosso partido: 1/ voto contra os créditos 2/ rotura da 'paz civil' 3/ criação duma organização ilegal 4/ fraternização dos soldados 5/ apoio de todas as acções revolucionarias das massas. O sucesso de todas essas medidas conduz inelutavelmente à guerra civil." (V.I. Lenine - A propos de la brochure de Junius - juillet 1916)

E hoje, de novo, poucas forças revolucionárias compreendem o real significado concreto do derrotismo, compreendem que a guerra e a derrota podem ser factores de aceleração dos antagonismos de classe e portanto da nossa solução: a revolução.

"Nós devemos mostrar aos operários como a derrota dum governo, muitas vezes na história, prestou o maior serviço ao povo que estava sujeito a este governo; a derrota anunciava a nascença da revolução, quer dizer que ela tinha consequências benéficas para toda a humanidade (...) Não se pode ser internacionalista consequente sem se ser 'derrotista'! Mais forte será o internacionalismo, mais assimilaremos esta verdade." (G. Zinoviev - Le "défaitisme" naguère et aujourd"hui - Octobre 1916 - dans Lénine, Zinoviev, Contre le courant)

É preciso ter os olhos vedados pela incúria e pelo doctrinalismo limitado para não compreender que a derrota da Argentina nas Malvinas é essencialmente devida aos importantes e maciços movimentos de classe tanto no exército que no conjunto do proletariado; que é em massa, abandonando armas, sapatos e bagagem, que os soldados desertaram, amotinaram-se e renderam-se; que cada vez mais operários não queriam mais desta "porcaria de guerra"; da mesma maneira, na Síria e na Cisjordánia, numerosas desordens sociais, motins manifestara-se pouco antes da invasão do Líbano por Israel. E, voluntariamente ou não, servir a contra-revolução que de ignorar que depois de derrotas sucessivas do exercito iraquiano, importantes movimentos classistas abrasaram o Iraque indo até a ocupação parcial de Bagdade e isto durante vários dias, confrontando militarmente o exército e a polícia em varias províncias do pais, confraternizando com os soldados iranianos e tudo isso num clima quase insurreccional (ver o Manifesto dos nossos camaradas contra a guerra Irão/Iraque nesta revista).

Nós vemos em que, se num primeiro tempo a guerra significa desarticulação, desorganização do proletariado e mesmo liquidação ideológica e física do proletariado como classe, a sua adesão ao nacionalismo, ao antifascismo ou à libertação nacional sendo uma das condições essenciais ao desencadeamento duma guerra, frequentemente, esse "esmagamento" só é relativo e temporário e chega a transformar-se num poderoso movimento revolucionário acabando uma vez por todas com todos os Estados. Foi uma situação deste género que catalisou a vaga revolucionária dos anos 1917-23. O real problema é o da relação mundial de forças entre proletariado e burguesia, entre revolução contra-revolução. E, evidentemente, essa relação de forças não é decidida uma vez por todas pelo desencadeamento duma guerra imperialista, mesmo generalizada. Como fortes movimentos de classe foram travados e transformados pela burguesia mundial em guerras imperialistas (Espanha 36, Salvador 79,...), da mesma maneira, o proletariado mundial pode conseguir transformar guerras imperialistas em guerras civís internacionais e pode fazê-lo tanto melhor que a sua vanguarda lhe dá directivas derrotistas claras. Sabemos também que, frente a importantes movimentos de classe envolvendo de facto varias nações, aparecem intervenções do capital mundial pelo intermédio de vários exércitos "estrangeiros", sendo hoje os mais especializados os americanos, franceses, soviéticos, israelitas, cubanos, vietnamitas, belgas não deixando quase nunca ao exército local muitas vezes em decomposição, o "cuidado" de reprimir. Assim o carácter eminentemente internacional do capitalismo não faz mais que reforçar o nosso internacionalismo proletário; cada vez mais, o problema se apresentará em termos dum exército burguês frente à revolução proletária mundial -com tendência da burguesia a unificar os exércitos nacionais e forças burguesas multinacionais para defender o capital mundial (9). O marxismo, explicitando as guerras burguesas como sendo fundamentalmente guerras anti-proletárias, como sendo cada vez mais a guerra entre revolução e contra-revolução, dá ao mesmo tempo a resposta à questão das guerras, as guerras não são inevitáveis, elas são produtos das sociedades de classes. Portanto, o comunismo abolirá também as guerras.

Resta aqueles, mais viciosos, que proclamando o derrotismo numa guerra, mantêm posições belicosas numa outra. As suas grandes declarações derrotistas são portanto unicamente uma nuvem de fumo para cegar os proletários que, atraídos por tão grandes declarações, encontram-se comprometidos num outro conflito burguês. Esses grupos, pelas suas declarações formais só servem de facto de recrutadores radicais para as guerras burguesas, para as guerras contra o proletariado mundial (10). Evidentemente, esse recrutamento de proletários para o massacre imperialista faz-se em nome de "guerras justas" (como se uma guerra pudesse ser justa ou injusta visto que todas servem a mesma causa: a destruição em massa de forças produtivas e portanto de proletários) ou de "libertação nacional"! E também assim com os pseudo-internacionalistas que condenam fortemente a guerra irano-iraquiana e apoiam abertamente o campo Curdo na guerra entre esses mesmos estados e os nacionalistas Curdos. Tal atitude que não é evidentemente um caso isolado nem o atributo dum só grupo desqualifica, do ponto de vista proletário, os seus defensores passados e futuros que, mesmo indirectamente se fazem os sargentos recrutadores das carnificinas imperialistas (11). A burguesia necessitará sempre, para completar o seu arsenal ideológico, que pretendidos revolucionários justifiquem as mais anticomunistas das suas acções e em particular as guerras, com uma "linguagem marxista" (roubo das formas e frases do programa comunista). O proletariado revolucionário agirá contra esses guardas da burguesia com o mesmo rigor que contra as outras fracções; os assassinos, os pacifistas tal como os seus justificadores pseudo-operários serão liquidados sem piedade.

Um outro elemento aparece da generalização das guerras imperialistas que conhecemos hoje confirmando o conteúdo invariável de todas as guerras burguesas: elas são claramente guerras de destruição, guerras de exterminação maciça de proletários. Já então, na segunda guerra mundial, com os seus cinquenta milhares de vitimas, constatou-se nitidamente que nas guerras anteriores a grande maioria dos seres humanos sacrificados eram não combatentes, civis. Que isto se passe nos campos de exterminação nazis ou como os bombardeamentos sistemáticos e democráticos de cidades como as de Berlim, de Dresde, de Hiroshima, de Nagasaki,... o alvo principal era destruir forças produtivas excedentarias e portanto seres humanos. Esta tendência à guerra "total" não fez senão acentuar-se ainda mais nitidamente. Para o capital, tudo o que vive merece perecer. Civis, não-combatentes já não existem, todos são "terroristas", "Judeus", "palestinianos",... inimigos a massacrar. A guerra já não e (como no passado) uma guerra de posições, uma guerra de frentes. As frentes já não existem porque é necessário tudo arrasar, já não existem "campos de batalha" porque o mundo inteiro tornou-se um imenso campo de batalha. Basta analisar o que resta de Salda, de Nabatieh, de Tyr, de Beirute e brevemente de Tripoli para compreender que não são quartéis ou fortalezas que são destruídas mas sim fábricas, hospitais, infantários, bairros operários,... São poupadas algumas igrejas para lembrar aos "vivos" que eles ainda lá se encontram para expiar: "Haverá uma vida antes da morte para os operários do mundo?"

O cinismo da burguesia atinge um tal ponto de horror civilizador que, cada vez mais, as armas que ela utiliza (bombas a fragmentações, bombas a neutrões, armas químicas e bacteriológicas,..) são armas que destroiem tudo o que vive (ou obrigam sistematicamente a horríveis amputações), armas que só atacam a carne humana, para deixar o mais intacto possível o tijolo, o cimento, os edifícios etc. Mais do que nunca, o capital alimenta-se de trabalho vivo para acumular sempre e mais trabalho morto,... cadáveres.

A civilização capitalista e as suas guerras atingiram o cumulo da desumanidade; só a instauração do comunismo acabará com esta corrida frenética para a barbárie e a morte.

Em conclusão, afirmamos que:

1) Desde que o modo de produção capitalista existe e portanto domina o planeta inteiro, todas as guerras, para além das ideologias para as quais o capital afirma fazê-las, são guerras contra o proletariado, todas as guerras são da mesma maneira burguesas, capitalistas, todas as guerras são contra-revolucionárias.

2) O motivo das guerras burguesas é sempre, para alem das rivalidades inter-imperialistas, a desvalorização, a queda da taxa de lucro provocando uma superprodução generalizada de mercadorias e portanto também uma superpopulação. Para a burguesia de ontem como para a de hoje, o objectivo principal é sempre o mesmo (mesmo se conscientemente, trata-se sobretudo de destruir o inimigo): é a destruição em massa de homens que o capitalismo transformou em mercadorias hoje excedentárias. Só o comunismo acabará com as guerras.

3) A burguesia deve, para fazer essas guerras, destruir o proletariado como classe, quer dizer como força actuante, como partido, para o dissolver no povo, para alistar esses cidadãos entre outros cidadãos por detrás de qualquer bandeira escondendo a face horrível do capitalismo, do antifascismo ou do fascismo, progressista ou reaccionário, democrata ou totalitarista, da conquista dum espaço vital ou da libertação nacional, da defesa do ocidente civilizado ou do anticolonialismo,... E sempre em nome da paz, da liberdade, da democracia, do socialismo,... que se amontoam os cadáveres, que tanto civis como militares são mutilados com bombas a fragmentações ou concentrados em campos para morrer.

4) O internacionalismo, resposta operária aos ataques burgueses significa a partir de hoje romper a paz social, a paz do capital, desenvolver as nossas lutas onde nos encontramos, contra os nossos exploradores directos, e tudo isto, pelo mundo todo. E respondendo sempre às degradações das nossas condições de vida que nos preparamos a nossa solução à crise burguesa: a revolução comunista mundial. É o único meio de lutar contra a solução burguesa de guerra generalizada.

5) O desencadeamento da guerra imperialista mesmo generalizada não significa necessariamente o esmagamento definitivo do proletariado. De facto, se a guerra significa num primeiro tempo um relativo esmagamento, ela pode logo de seguida dialecticamente determinar um desencadeamento ainda mais forte por ter exacerbado as contradições e a barbaridade do sistema capitalista. Para os operários revolucionários, a luta contra a guerra significa directamente o derrotismo revolucionário.

6) O derrotismo revolucionário vira as costas a todo pacifismo mesmo disfarçado e radicalizado que não vai até dar orientações concretas e precisas com vista a encorajar e agi violentamente pelo derrotismo do "seu" campo, da "sua" nação e dos "seus" exércitos. O derrotismo proletário significa, além da evidente propaganda derrotista:
- a organização da sabotagem da economia, da produção, dos armamentos, de todo o consenso nacionalista.
- a organização de toda a acção tendo como finalidade destruir tanto as convicções como o envio dos proletários para o morticínio.
- a organização da maior deserção possível.
- o encorajamento à fraternização, à revolta, ao virar das armas contra os seus oficiais.
- a acção mais decidida e mais ofensiva com vista a transformar a guerra imperialista em guerra civil para o comunismo.

7) Evidentemente, o derrotismo revolucionário não é concebivel num só lado. As orientações comunistas de sabotagem são função da natureza internacional da classe operária e dirigem-se portanto ao proletariado do mundo inteiro. O derrotismo proletário significa a luta contra "a sua burguesia" e isto, em todos os lados (12), em todos os países.

8) São cada vez mais os próprios acontecimentos e a generalização dos conflitos que irão determinar o proletariado a escolher: seja morrer pelo capital, ou viver pelo comunismo organizando-se em partido internacionalista dirigindo a revolução comunista mundial.

Camarada proletário, LEMBRA-TE

"OS PROLETÁRIOS NÃO TÊM PÁTRIA"

(Manifesto do partido comunista - 1847)

1 de Julho de 1982


Proletários de todos os Países

"A manobra de 1915 repete-se. Vocês são chamados a combaterem pela democracia contra a ditadura: na realidade, são chamados a apoiar a causa dos vossos imperialismos. (...)
No caso de não conseguirem fazer explodir estes movimentos de classe, a guerra é inevitável e a sua transformação em guerra civil só é possível através da retomada dos vossos movimentos de classe para a derrota de todos os Estados que vos terão atirado para o morticínio mundial. Disponham-se a combater contra todas as pátrias: fascista, democrática, soviética. A vossa luta é a luta para a Internacional, para a revolução. Para a vitória revolucionaria, vocês expulsarão das vossas fileiras os traidores socialistas e centristas que, quebrando a vossa frente revolucionária, prepararam já as premissas para a guerra e tomarão a direcção das forças que vos conduzirão a uma aceitação da causa capitalista: a causa da guerra. (...)
Viva a transformação da guerra imperialista em guerra civil.
Viva as fracções da esquerda comunista.
Viva a internacional e abaixo todas as pátrias.
Viva a revolução comunista mundial."
(Manifesto da Fracção italiana da esquerda comunista)

Notas

1. Sobre esta questão, nós aconselhamos o leitor interessado a ler: "Malvinas - Contra la guerra imperialista: La revolucion comunista mundial" no Comunismo No.9 e "Malouines: un pas vers la guerre mondiale" na revista Action Communiste No.6.

2. Ver o desenvolvimento dessa questão em "Les causes des guerres impérialistes" a propósito da polémica no seio da esquerda comunista dos anos '30 na revista Le Communiste No.6.

3. Esta destruição sistemática pelo capital da população excedentária e o medo do reaparecimento proletário (exemplo do bombardeamento de Berlim em 1945) são as razões fundamentais salientadas pelo marxismo revolucionário para explicar a exterminação dos milhares de seres humanos não pelos "maus nazis" ou hoje os "maus israelitas", como fazem crer os antifascistas, democratas e nacionalistas, mas pelo capital mundial. Sobre este tema, ler "Auschwitz ou le grand alibi" de Bordiga.

4. Ver o nosso texto "L"armée et la politique militaire des Etats-Unis" na revista Le Communiste No.12 e 13.

5. Sobretudo porque sabemos que historicamente, todas essas conferências, esses acordos de "não agressão",... são de facto passados para a preparação à guerra, como o demonstram o pacto entre Hitler e Estaline em 1939, os acordos de Munique,... e recentemente, os acordos de Campo David.

6. Para desenvolver mais esta questão, ler os nossos textos "On nous parle de paix" na revista Parti de Classe No.3 e "Campagnes anti-missiles, anti-nucléaires, pacifistes,... un pas vers le désarmement du prolétariat, un pas vers la guerre impérialiste généralisée" na revista Action Communiste No.5.

7. Quando falamos de "todos os Estados burgueses" retomamos ainda uma visão descritiva que analisa a burguesia mundial como organizada em múltiplos estados, eles mesmo agrupados em constelações mais ou menos movediças. É claro que esta visão corresponde à análise das contradições inter-imperialistas, das lutas inter-fracções no seio duma mesma classe mundial: a burguesia. Este tipo de análise não deve nunca nos fazer esquecer a existência duma realidade global, a existência dum estado burguês mundial manifestando a sua presença e o interesse do capital global frente ao proletariado. É de facto contra a luta internacional e internacionalista do proletariado que a burguesia consegue plenamente unificar-se, agrupar-se por detrás do seu estado mundial, fazendo assim, durante o tempo da luta contra o proletariado, calar os diferentes antagonismos inter-fraccionais totalmente desprezíveis em relação ao único perigo mortal que representa o proletariado. E assim que se pode ver frequentemente, frente à ameaça operária, a reunificação de exércitos e de Estados que no dia anterior estavam ainda em guerra aberta e que se reconciliam para esmagar as lutas operárias (ver os exemplos na Rússia em 1918-19, na Espanha em Maio de 1937,...).

8. Ver "Nous soulignons", Le Communiste No.14, sobre a tomada de posição da IV internacional trotskista e das correntes maoistas em favor da Argentina no conflito das Malvinas.

9. Esta tendência manifesta-se no facto da desmultiplicação dos exércitos presentes no "teatro das operações". No Líbano, podemos contar 1) o exército israelita 2) o exército sírio 3) o exército libanês 4) a OLP e os múltiplos exércitos anexos (não se contam menos de 30) 5) as milícias cristas falangistas de B. Gemayel 6) os exércitos da ONU-FINUL por detrás dos quais encontramos entre outros paramilitares franceses 7) o exército iranianos 8) as tropas americanas.

10. Retomando uma argumentação contra-revolucionária de Lenine e muito desenvolvida depois por todas as correntes leninistas, estalinistas, trotskistas, maoistas e hoje os "novos trotskistas" auto-proclamados bordiguistas em justificação das suas participações activas e "críticas" aos morticínios imperialistas.

11. Para aqueles que não o adivinharam, estas críticas dirigem-se ao PCI-programa comunista cujas secções na Argélia e a sua imprensa para a África do Norte -El Oumani- desenvolveram uma intensa campanha de apoio às guerras imperialistas ditas de "libertação nacional", tanto ontem na Argélia, no Vietname ou no Cambodje,... como hoje na Eritréia, no Curdistão, no Líbano onde este grupo apoia, evidentemente "duma maneira crítica", o "povo palestiniano" e portanto a burguesia e o seu Estado, a OLP. O PCI-programa comunista tem o mesmo papel contra-revolucionário de recrutadores críticos radicais,... que os trotskistas dos anos 30 (ver o nosso texto: "le trotskysme: produit et agent de la contre-revolution" na revista Le Communiste No.8).

12. "Portanto, sabotar um só dos dois militarismo não quer dizer ajudar o outro mas sabotar os dois, sabotar o seu principio histórico comum, o seu meio de conservação e de dominação." (Bordiga - "Os ensinos da história recente" - 1918)



Junto publicamos um manifesto contra a guerra Irão-Iraque (1), escrito por um grupo de camaradas comunistas do Iraque. Este manifesto materializa assim plenamente o aparecimento de grupos operários directamente sobre o conjunto das posições comunistas, no seio, e contra as guerras capitalistas, expresso dos importantes movimentos derrotistas que se desenrolam naquela zona. Em oposição com todos os mitos terceiro-mundistas, de "libertação nacional", de revolução dupla,... em oposição também com os mitos negando a evidência da existência de forças comunistas actuando por toda a parte do mundo contra o capitalismo, este manifesto concretiza a necessária centralização mundial das forças comunistas. Apelamos a todas as forças realmente proletárias a debater, traduzir e difundir o máximo este documento fundamental, assim como perseguir no esforço indispensável à cristalização duma real comunidade de trabalho entre os grupos internacionalistas (2).

A guerre e a paz contra o proletariado

* * *

A guerra é um produto histórico de todas as sociedades de classes que exprime a exploração como sendo a sua característica comum. A guerra capitalista tem como motivo histórico a existência de crises ligadas ao antagonismo entre o carácter social da produção e o caracter privado da apropriação. Sair destas crises é impossível sem abolir estas contradições. Na guerra, "solução" capitalista à crise - guerra do capital contra o trabalho humano - o capital materializa mundialmente a sua essência pelo ataque e a destruição do trabalho social - trabalho morto e trabalho vivo - assim como do movimento comunista.

Em consequência, na oposição a todos os partidos capitalistas (incluindo "marxistas-leninistas"), afirmamos que a guerra onde quer que se desenrole é uma guerra do capital mundial contra o proletariado (3). Do lado oposto à nossa posição, só encontramos justificação do sistema de exploração assalariados tentando camuflar a contradição mundial entre o capital e o trabalho como se tratasse unicamente duma oposição entre fracos e fortes, entre progressistas e reaccionários, entre nacionalistas e imperialistas.

A guerra Irão/Iraque não sai do domínio do sistema capitalista mundial. Como todas as guerras passadas e presentes, é uma guerra do capital para solucionar a sua crise e a sua anarquia crónica, para manter o sistema de escravatura assalariada.

Durante os 22 meses de guerra, centenas de fábricas, de empresas foram destruídas, milhares de operários foram mortos e executados (4). Acrescenta-se a isto o aumento dos preços das mercadorias, impostos, aumento das horas extraordinárias, baixa do poder de compra etc. Tudo isto feito em nome da defesa dos interesses da pátria, da nação árabe, do islão, contra o imperialismo agressor... Tudo isso para mistificar os operários e submetê-los à dominação capitalista.

Todos os partidos e tendências imperialistas (também os "marxistas-leninistas") cumpriram, com esta acção, a sua função de camuflagem, pela sua análise - "a agressão Iraquiana contra a república anti-imperialista do Irão". Esta análise não é mais que choraminguices sobre a "destruição da economia nacional" quer dizer da unidade do capital. Para os "marxistas-leninistas", a causa do desencadeamento da guerra é a "falta de democracia", de "liberdade política", a falta de "poder nacional-popular" ou ainda a falta de um "estado operário ou camponês",... e só a realização desses objectivos "nacionalistas democráticos" poderiam impedir a guerra (5).

Dizemos, em oposição à lógica e à prática capitalista: O proletariado só pode realizar a sua subsistência de classe na sua prática histórica, pela sua oposição revolucionária à guerra. As manifestações e greves operárias que se desenrolam desde os últimos cinco meses nas cidades, tanto no Irão como no Iraque, demonstram a validade desta posição (6). Os operários duma fabrica de cigarros em Suliamania organizaram uma greve de 3 dias contra as diminuições dos seus salários impostos para pagar as despesas de guerra. O seu slogan era: "Nem Saddam, nem Khomeiny". Esta posição significa a recusa histórica da nação e da sua defesa. Milhares de proletários, no Irão como no Iraque foram executados devido à suas posições derrotistas revolucionárias (7) como sendo inimigos da nação, ateus, isto é, anti-islâmicos, cobardes... Estes acontecimentos históricos demonstram a necessidade para os comunistas, de se organizar. Devido às posições e às lutas do movimento proletário, o capitalismo tenta abafar estes movimentos, por um lado tentando fazer a sua paz, a paz do capital, e tentando centrar o recomeço da sua guerra contra os bastiões das lutas operárias. É por esse motivo que o recomeço actual da ofensiva Iraniana está centrado em Bassorah, cidade importante das lutas operárias no Iraque. Se olharmos para a história, poderemos concluir que em todas as guerras, o Capital tenta travá-las para acabar com a luta derrotista dos operários, do mesmo modo, o recomeço da guerra significa o prosseguimento da luta anti-operária. A tentativa para travar a guerra Irão-Iraque é evidente desde que o Iraque retirou as suas tropas do território Iraniano e isto, devido às manifestações e levantamentos operários. Para justificar a ofensiva Iraniana depois da retirada das tropas Iraquianas, o capital utiliza a defesa do interesse nacionalista contra o movimento comunista que continua actualmente tanto no Iraque como no Irão. O capital sistematicamente tenta atacar e enquadrar os movimentos de classe, por isso ele relaciona tanto a cessação como a retomada da guerra "à vitória da nação árabe e ao interesse da revolução islâmica" (dixit S. Hussein). É assim que o capital mantém a continuidade das suas acções anticomunistas (8).

Num panfleto contra a guerra escrito por um grupo de camaradas internacionalistas em Março de 198I no Iraque, lia-se: "Os burgueses nos 2 países - Irão e Iraque - na defesa dos seus interesses de classe, avançaram dum passo para a guerra e isto, em nome da humanidade, da nação árabe, da autodeterminação, para defender a 'santa religião muçulmana' e os interesses dos muçulmanos postos de lado no Iraque (...) Eles pisam os 'direitos do homem'. E os burgueses, no Irão como no Iraque, calcularam bem que a guerra destruiria as suas fabricas e os seus centros industriais, diminuindo, assim o comércio sabendo que para eles também, a guerra terá resultados catastróficos. Mas se eles apesar de tudo a fazem é essencialmente para defender a sua propriedade. Não se deve esquecer que ao lado dessas percas materiais, a burguesia mundial aproveita imensamente da guerra e as suas consequências. Dia após dia, a situação do proletariado deteriora-se do facto do aumento dos preços, do subconsumo, etc. Mais, é o sangue do proletariado que corre nas batalhas (9).

O capitalismo faz portanto a sua paz para parar com a guerra. A paz é a arma do capitalismo, ele utiliza-a na sua prática para manter uma situação conveniente para continuar o movimento do capital quer dizer manter a escravatura assalariada, enquadrar, recuperar as acções proletárias e transformar o derrotismo revolucionário em pacifismo. Deste ponto de vista, a paz é ligada ao sistema assalariado tanto como à guerra. O ponto de vista do proletariado é oposto à paz e à guerra capitalista: é a revolução comunista para a destruição do sistema capitalista mundial (10).

* Julho de 1982 *

Este manifesto é traduzido actualmente em árabe, persa, curdo, espanhol, francês, alemão, inglês e português.
"Recusar o apelo ao derrotismo, é resumir todo o espírito revolucionário que se pretende ter a uma frase sem sentido ou à hipocrisia."
"A única política que encara efectivamente e não só em palavras, a rotura da 'união sagrada', o reconhecimento da luta de classe, é aquela que pede ao proletariado para tirar proveito das dificuldades do seu governo e da sua burguesia para os derrubar."
"A revolução em tempo de guerra, é a guerra civil; ora, a transformação duma guerra de governos em guerra civil é facilitada pelas derrotas dos militares e dos governos."
"Quando se fala em actos revolucionários em tempo de guerra contra o governo do seu pais, é indubitável, incontestável, que se trata não somente de desejar a derrota deste governo, mas também de concorrer nisso efectivamente."
(Lénine - "Do derrotismo na primeira guerra imperialista" - 1915)

Notas

1. Durante um ano, houve prejuízos em destruições no valor de 20 milhares de dólares no Iraque e 50 milhares no Iriso. O comité cooperativo dos países do golfo pagam 13 milhares de dólares por ano para financiar o campo Iraquiano. Proletários de Marrocos, da Jordânia, do Afeganistão, da Tailândia, da Palestina,... são recrutados num ou noutro lado. As destruições de vidas como de material tocam evidentemente muito mais proletários desses países que dos países directamente empenhados. Conta-se, num ano, 50.000 mortos no Iraque e 75.000 no Irão. Em Janeiro de 1982, atingia-se o número monstruoso de 270.000 mortos nos 2 campos.

2. Para contactar os nossos camaradas que produziram este documento, escrevam ao nosso Apartado.

3. Exp. a guerra entre Israel, a OLP, o Líbano a guerra das Malvinas, do Vietname, do Tchad, da Somália.

4. A guerra começou a 22 de Setembro de 1980.

5. "Povo Iraquiano, subleva-te, para fazer cair o poder bássista (nacional-socialista pan-arábico) para parar com a agressão contra o Irão e restabelecer a democracia." (citação do partido "comunista" Iraquiano). Esta posição de defesa do Irão significa a defesa do sistema assalariado. Deste ponto de vista burguês, ele pede para parar com a guerra e exige a paz ligando estas reivindicações à queda do poder bássista. As posições do partido TOUDEH (= "povo", = PC Iraniano) são exactamente as mesmas: quer dizer a defesa dos seus deuses, a nação, o capital.

6. Estes 5 últimos meses, nas cidades de Bagdade, de Bassorah, de Mossoul, de Sulimaania... os operários organizaram numerosas manifestações e greves contra a guerra, para a defesa dos seus interesses de classe. Esta posição revolucionária do proletariado foi duramente atingida pela repressão capitalista (uso de helicópteros, execuções, mortos).

7. Só no Iraque, num ano foram executados 3.000 proletários, sem contar os milhares de mortos na frente.

8. Contra a acção revolucionária do proletariado, os sindicatos enviaram, de todas as grandes cidades, telegramas de saudação e renovaram a sua fidelidade a Saddam Hussein, como bravos soldados defendendo da nação.

9. "O capital, diz um 'Qarterly reviewer', foge ao tumulto e às disputas e é tímido por natureza. Isto é muito verdade, mas não é no entanto toda a verdade. O capital detesta a ausência de proveito ou proveito mínimo, como a natureza detesta o vazio. Que o proveito seja conveniente e o capital torna-se corajoso: 10% assegurados, pode ser utilizado em todos os lados, 20%, ele aquece, 50%, é duma temeridade louca, 100%, ele pisa todas as leis humanas, 300% não há crimes que ele não cometa. Quando a desordem e a discordância dão proveito, ele encoraja-as; a prova é o contrabando é a escravatura dos negros."

10. Essa política de desabamento e de paz não é mais que a continuidade da doutrina da "paz democrática entre os povos" que é uma das bases fundamentais do capitalismo.



Em margem dum aniversário...

Marx contra tudo e contra todos

* * *

De todos os lados vê-se aparecer oportunistas que se precipitam uma vez mais para roubar, devorar, desnaturar, falsificar,... o programa revolucionário e fazer dele uma mistura contra-revolucionária nojenta que eles denominaram "marxismo": trotskistas fazem peregrinações por toda a Europa (de Treves a Londres) para levar ao túmulo de Marx alguns ex-voto em forma de "programas de transição"; até os jornais abertamente burgueses saúdam a memória do "genial pensador", do "comunista", "sociólogo", "historiador", "jornalista",... daquele de quem a obra seria "ainda hoje de actualidade". A palma da vigarice recuperadora é dada no entanto a todos os regimes (os dois terços da humanidade apodrecida) que se proclamem "marxistas", "marxistas-leninistas", "socialistas", até "comunistas", e que do centenário da morte de Marx fazem mais um espectáculo mórbido à gloria daquilo contra qual Marx lutou toda a sua vida.

Da mesma maneira que eles se definem pela ditadura impiedosa do trabalho morto sobre o trabalho vivo, através da vampirização da vida humana ao proveito do valor autovalorizado, a relação capitalista exprime-se também ao nível superestrutural pela ditadura horrível de cadáveres ambulantes, mumificados, de ídolos inofensivos apresentados aos olhos das massas a fim de exorcismar cinicamente a sua não-vida, para uma vez mais os pressionar no altar da exploração capitalista. Quanto mais o capital se afunda (e portanto se desenvolve) nas suas contradições mortais, mais ele se representa caricaturalmente afirmando a sua imagem "comunista", "operária"... que de facto só é a transformação em seu contrário, do comunismo, cujo movimento lhe rasga cada vez mais as entranhas, ameaçando-o cada vez mais mortalmente. Se ao principio do seu reinado, a simples palavra de "comunismo" o fazia tremer de medo, à medida do seu desenvolvimento, o capital exorcismou-o apresentando-se ele-mesmo como sendo não somente a felicidade incarnada, a liberdade em acto,.. mas igualmente a "sociedade enfim humana", o "comunismo realizado". O mito supremo do capital é a sua pretensão, através da sua comunidade fictícia, a democracia, de ter realizado o comunismo. Este mito deve-se ao facto do próprio capital ter socializado integralmente a produção (e, portanto a produção /reprodução da vida imediata em suspenso) e portanto realizado o programa do socialismo burguês (1). E este capitalismo mundial sempre mais desenvolvido e contraditório que torna cada vez mais o comunismo como uma necessidade histórica inelutável, como facto consumado.

O movimento do capital quereria realizar o comunismo sem se destruir (como o valor de troca "quereria" autonomizar-se totalmente do valor de uso); ai reside a sua utopia. Só o proletariado organizado em classe e portanto em partido pode impor o comunismo à humanidade destruindo o capital de alto a baixo, negando-se como classe exploradora; é esse o programa do comunismo revolucionário. Unicamente o proletariado constituído em classe autónoma quer dizer organizado e dirigido pelo seu partido é capaz de ameaçar a podridão capitalista gangrenando sempre e mais o que há de humano no homem, homem que por sua vez é capaz de realizar a comunidade humana mundial (negação da negação). A utopia do capital é portanto a de querer existir sem contradições, de existir unicamente como polo positivo, de existir sem o partido da sua negação, o partido da sua destruição, o partido proletário (2). E em nome desta utopia que o capital vai até ao ponto de se apropriar privativamente do cadáver de Marx, roído já a muito pelos vermes do reformismo social. No espectáculo do capital a múmia de Marx encontra-se no mesmo altar que Jesus-Cristo ou Gandhi. Tal como na China onde os numerosos cartazes apresentam Marx com os olhos asiáticos, a burguesia mundial só representa Marx como uma tentativa entre outras de reformar o mundo, isto é, de o tornar ao mesmo tempo mais desumano e mais aceitável a todos os exploradores. A este Marx vedeta póstuma e bem colocada no hit-parade das ideologias, nós opomos por nenhum e contra todos, o Marx militante, o Marx incarnação modesta e genial do programa revolucionário existindo impessoalmente antes e depois da sua morte.

"O comunismo é uma força social material que subjuga a nossa inteligência, capta os nossos sentimentos e realiza a união da nossa consciência e da nossa razão. E uma corrente da qual não nos podemos libertar sem nos quebrarmos o coração. E um demónio sobre o qual o homem só pode triunfar submetendo-se a ele." (Karl Marx)

Marx e o ponto de vista do comunismo

Todos os turiferários da causa capitalista apresentam e apresentarão sempre o "indivíduo" Marx como um "pensador" mais ou menos inteligente, como um "filósofo", um "sociólogo"... colocado numa destas pequenas categorias acanhadas apelos ciências. Para nós, Marx é antes de tudo um militante operário, um combatente convicto da causa da libertação da humanidade não desprovido de crítica. Se, ao principio da sua acção, Marx passou pelo liberalismo democrático (período do "Rheinische Zeitung" 1842-43) e pelos grupos da esquerda Hegeliana (B.Bauer e seus consortes), ele rompeu muito rapidamente com essas correntes da burguesia radical para aderir à causa do comunismo, à causa da destruição total da "sociedade civil", da sociedade burguesa. E através de textos fundamentais como "a questão judaíca "os manuscritos de 1944", que Marx rompe definitivamente com o ponto de vista burguês da democracia e toma inteiramente um ponto de vista proletário do comunismo (3).
"Na verdade, o Estado cristão perfeito não é o suposto Estado cristão que reconhece o cristianismo como o seu fundamento, como religião de Estado tomando uma atitude exclusiva para com outras religiões: é antes o Estado ateu, o Estado democrático, o Estado que relega a religião entre outros elementos da sociedade burguesa."
(...) "Crista, é a democracia política em que o homem, cada homem nela é considerado suberano, o ser supremo; mas este homem é o tipo humano inculto, anti-social, é o homem na sua existência acidental, o homem quotidiano, o homem tal como ele foi subvertido por toda a organização da sociedade, tal como ele se perdeu, se alienou e se entregou ao reinado das condições e dos elementos desumanos, numa só palavra, o homem que ainda não é um ser genérico real. A quimera, o sonho, o postulado do cristianismo, a soberania do homem cujo ser é diferente do homem real, tudo isto na democracia toma figura de realidade concreta e presente, tudo isto é uma máxima profana."
(...) "O homem não foi portanto emancipado da religião; ele recebeu a liberdade religiosa. Ele não foi emancipado da propriedade; ele recebeu a liberdade da propriedade. Ele não foi emancipado do egoísmo da industria; ele recebeu a liberdade da industria."
(A questão judaica -1843)
É neste texto que Marx impõe magistralmente, entrando em polémica contra Bauer, as bases programáticas da luta à morte contra o Estado burguês e portanto contra a democracia, posição que ele e Engels manterão durante toda a vida deles: "O nosso objectivo final é a supressão de todo o Estado e por consequência da democracia" (Engels 1894). E, simultaneamente a esses aforismos anti-estatais e antidemocráticos, Marx definia a solução à alienação humana (4), a solução de todas as contradições que abalam o mundo no qual vivemos: o comunismo.
"Ele é a verdadeira solução do antagonismo entre o homem e a natureza, entre o homem e o homem, a verdadeira solução do conflito entre a existência e a essência, entre a objectivação e a afirmação de si mesmo, entre a liberdade e a necessidade, entre o indivíduo e a espécie. Ele é o enigma resolvido da historia e ele é consciente disso."
(Manuscritos de 1844)
A partir desta adesão ao ponto de vista comunista, a obra de Marx afirmar-se-á sempre e mais como uma totalidade, como um conjunto crítico onde, desenvolvendo uma ou outra questão, a um ou outro nível de abstracção, é sempre do ponto de vista da globalidade (da qual ele fez múltiplos planos só conseguindo no fim de contas produzir uma ínfima parte daquilo que ele previa). O ponto de vista e o método são os eixos centrais que Marx manteve durante toda a sua vida. Toda a força da sua obra reside portanto nesta totalidade, na invariabilidade do seu método crítico de investigação (5) sempre posto ao serviço da denúncia do carácter transitório do capitalismo e portanto da vinda inelutável do comunismo.

Portanto não é por acaso" que todos os crápulas estalinistas, democratas ou outros sempre tentaram destruir cientificamente a globalidade da obra de Marx, de ver contradições onde só existem diferentes níveis de abstracções, ou de opor certas passagens extraídas do seu contexto com a totalidade do trabalho militante. Por exemplo, a "famosa" e falsa "contradição" entre a teoria do valor desenvolvida no livro I do capital e a outra dita "preços de produção" do livro 3 (publicado afinal por Engels/Kaustky). Ainda mais "célebre" é a polémica acerca do pseudo "corte epistemológico" entre o jovem Marx hegeliano utópico e o Marx maduro, sério, científico e "não revolucionário"... falsa teoria que deu notoriedade ao neo-estalinista Althusser e a todo o grupo de "marxólogos" pagos para fazer desaparecer da obra de Marx o conteúdo subversivo deixando só as "análises objectivas e científicas" e portanto burguesas (cf igualmente os Polantzas, Mandel, Harnecker, Ellenstein,...).

A obra de Marx só pode ser compreendida como um ataque, uma crítica de toda a sociedade burguesa assim como o próprio Marx dizia da publicação do Capital, "o mais terrível míssil que já foi lançado à cara dos burgueses" (Marx a J. Ph. Becker 1867) enquanto Marx toma plenamente o partido do comunismo, é igualmente definindo socialmente os homens que são os únicos capazes de realizá-lo: os proletários modernos. É portanto concebendo o comunismo não como ideal a atingir mas como o movimento de dissolução da ordem estabelecida, movimento que se desenrola à nossa vista, e determinando os homens constrangidos a impô-lo, que Marx efectua a rotura com os socialistas utópicos (Fourier, Owen,...) criadores de sistemas, não conseguindo ver o comunismo como um movimento real, uma força social agindo na realidade. A definição essencial desses homens, determinados historicamente a impor, pela sua violência de classe, o comunismo, Marx não a procura nem na filosofia, nem na ciência, e muito menos na economia; ele define o proletariado pela sua função histórica; ele define o proletariado como coveiro do velho mundo, como a classe que não tem nada a perder mas sim tudo a ganhar. Contrariamente aos delírios "operareiristas", Marx define a classe revolucionária como aquela que, na realidade, é a dissolução da ordem estabelecida, que, pelo seu confronto cada vez mais forte contra o Estado burguês, afirma cada vez mais nitidamente o seu carácter subversivo e revolucionário.

"Uma classe com correntes radicais, uma classe da sociedade civil, uma ordem que é a dissolução de todas as ordens, uma esfera que possui pelos seus sofrimentos universais um caracter universal, que não reivindica um direito particular porque não se cometeu contra ela uma injustiça particular mas sim a injustiça pura e simples que não pode apelar a um titulo histórico, mas somente a um titulo humano, que não esteja em oposição unilateral com as consequências mas em oposição global com os pressupostos da forma do Estado, uma esfera enfim que não se pode emancipar sem se emancipar de todas as outras esferas e daí as emancipar todas, que, numa só palavra é a perda total do homem e que só se pode reconquistar através, da reaquisição completa do homem. A dissolução da sociedade na qualidade de Estado particular, é o proletariado."
A adesão de Marx ao comunismo não é portanto adesão a uma nova escola de pensamento, filosofia, religião ou seita. Quando ele adopta o ponto de vista comunista que mantém até a sua morte, compreendendo que o comunismo é, um movimento vivo, conduzido pelo proletariado revolucionarão (episódio da revolta dos operários silesianos), movimento que ele vai sempre tentar dirigir, organizar, tornar mais forte tanto do ponto de vista da organização como no ponto de vista programático. Nesse sentido, a obra de Marx é antes de tudo obra de partido, obra da colectividade impessoal que imporá o comunismo. Uma vez claramente situado no campo proletário, Marx vai tentar tornar mais sólidas as suas teses, mais operacionais, e isto, críticando fortemente todos os elementos que impediam do ponto de vista comunista a compreensão do mundo e em primeiro lugar, as ideologias que a burguesia tinha inventada para justificar a sua dominação de classe, que estas se chamem filosofia, religião, história ou economia. Marx não se tornou comunista por ter estudado "cientificamente e objectivamente" os diferentes aspectos do conhecimento humano mas pelo contrário, é porque ele já era comunista que pôde destruir completamente todas as ciências burguesas, que pode, demonstrando o caracter limitado e transitório das classes, prever a vinda dum mundo sem classes, sem Estado, sem dinheiro...
"Todo o método é necessariamente ligado ao ser da classe correspondente." (Lukacs)
"O único ponto que distingue realmente a teoria marxista, é que ela representa os interesses duma outra classe, que ela tem do seu carácter de classe uma consciência racional (e não mitológica sobre o modo nacional-socialista ou fascista) e proclama-o altamente." (K. Korsch) (6)

Marx: militante do partido comunisto

Em toda a actividade de Marx, teoria e prática foram sempre duas expressões com níveis de abstracção diferentes, dum todo orgânico. Marx ele mesmo é a expressão desta totalidade que significa a palavra praxis, totalidade onde não se pode nunca dissociar a teoria da acção sem desnaturar a unidade que estes diferentes termos isoladamente não conseguem transmitir. É neste sentido que Marx é antes de tudo um militante comunista que vai aplicar em todos os aspectos da sua actividade o mesmo método para atingir a mesma finalidade: a libertação do homem. Marx disse nas suas teses sobre Feuerbach, redigidas em Bruxelas em 1845: "a coincidência da mudança das circunstancias e da actividade humana ou da autotransformação, só pode ser concebida e percebida racionalmente como prática revolucionária. "Da mesma maneira, a vida e a obra de Marx só podem ser compreendidas como práticas revolucionárias. E esta compreensão só pode ser obra de indivíduos, grupos,... situando-se na mesma via que Marx: a via do comunismo, a via do partido comunista.

É neste mesmo período, depois de ter constituído com alguns camaradas um "comité de correspondência comunista" (1846) que Marx e Engels aderiram à liga dos comunistas. Esta adesão à liga é ao mesmo tempo um combate contra todas as formas arcaicas do comunismo (Weitling) e contra as influências dos socialistas-burgueses (Proudhon com quem Marx ajusta contas em "Miséria da filosofia" escrito neste mesmo período em Bruxelas). Depressa, Marx assume no seio da liga uma função dirigente, encarregado de redigir os estatutos, o novo programa e de reorganizar a liga.

Logo com o artigo 1 destes novos estatutos, Marx afirma claramente a finalidade de sempre dos comunistas: "o alvo da liga é o derrubamento da burguesia, o domínio do proletariado, a abolição da velha sociedade burguesa fundada nos antagonismos de classe e a instauração duma sociedade nova, sem classes e sem propriedade privada." O artigo 2 insiste nas exigência militantes: "as condições de adesão são: a) um modo de vida e uma actividade conformes a esta finalidade; b) uma energia revolucionária e um zelo propagandista; c) fazer profissão do comunismo (...)" (citado no "partido de classe" antologia de textos de Marx e Engels feita por Dangeville). Todo o trabalho de Marx no seio da liga, como mais tarde no seio da associação internacional dos trabalhadores, vai ser de transformar esta organização "contingente e limitada" numa organização mundial de combate para o comunismo implicando ao mesmo tempo uma rotura com as velhas práticas de seita e com as concepções utopistas que reinavam ainda largamente no seio do movimento operário. É para levar a bem estas tarefas que Marx, depois dum primeiro projecto de Engels (cf. o projecto de profissão de fé comunista redigido por Engels, ainda largamente marcado de velhas formulações utopistas), aceita redigir um novo programa para a liga dando-lhe directamente um contudo histórico duma importância tal que este texto terá não o título: "Manifesto da liga" mas o mais fundamental: "Manifesto do partido comunista" (redigido em 1847 e publicado em 1848). Efectivamente, o manifesto e muitos outros textos d; Marx-Engels são directamente textos de partido, expressões essenciais do programa comunista (7).

Este programa da classe revolucionária não é redutível a um ou outro texto, ainda menos a uma ou outra "plataforma" de organização formal. Ao contrário, o programa comunista vive e afirma-se primeiro como praxis, como movimento confrontando-se violentamente ao Estado burguês. Alguns textos exprimem de maneira mais sintética e mais total a finalidade e o movimento comunista. O programa como totalidade invariável não pode ser identificado com as suas expressões teóricas ou pior ainda "escritas". Forma um todo indissociável e só pode ser compreendido assim. O Manifesto do partido comunista e nesse sentido exemplo brilhante porque ele se afirma além das contingências temporárias e geográficas; é directamente na sua globalidade, uma das melhores sínteses do programa "invariável" do movimento operário. Mas ninguém, excepto os imbecís, ousarialimitar as expressões do programa revolucionário ao manifesto de 1847. Mais uma vez aqui podemos opor a praxis de Marx a todos os seus epigónios formalistas para quem sem um texto chamado "programa"" ou pior ainda plataforma"" o movimento comunista e a sua organização em partido não poderia existir. Dos três textos fundamentais "o manifesto", "o capital", ou "os Grundrisse", não há um que seja mais que outro expressão do programa comunista. Cada um destes textos, como todos os textos comunistas passados e futuros, exprimem um certo nível de abstracção, um certo nível de compreensão da globalidade programática e são expressões mais ou menos desenvolvidas do programa invariável Estes textos, obras impessoais do partido, têm funções diferentes: o Manifesto é a apresentação das posições fundamentais dos comunistas frente à burguesia, enquanto ",o capital" por exemplo e a demonstração implacável do fim catastrófico do modo de produção capitalista g portanto da vinda inevitável do comunismo, mas os dois são sobretudo expressões essenciais e incomparáveis dum só e único programa o do comunismo.

Toda a história do movimento comunista demonstra que certos textos, certos indivíduos ou certas acções... considerados pelos "marxólogos" e outros universitários como insignificantes têm de facto um nível superior de síntese e de compreensão enquanto certos textos pretendendo ser o resumo ou a codificação definitiva do comunismo só representam a formalização da diminuição do movimento operário, a cristalização de posições contra-revolucionárias. É Kautsky (e os seus discípulos) que era considerado o "marxista" ortodoxo, o único depositário da "verdade marxista" enquanto todas as expressões autenticamente revolucionárias eram desnaturadas e rejeitadas por "radicalismo", "anarquismo",... (por exemplo, as denúncias de D. Nieuwenhuis contra a "segunda internacional"). Mais claro ainda, é o camuflagem das experiências e da história da esquerda comunista alemã, italiana, belga, mexicana, indua,... Ou ainda a censura, as calúnias que circulam à volta dos militantes comunistas, de chefe. operários tão importantes, a títulos diferentes como Blanqui, Corter, Miasnikov, Vercesi ou Korsch. Quem ousaria dizer que a internacional comunista não existia antes de 1928. Ora, a IC só adoptou um programa, redigido por Boukharine para o congresso mundial no 1 de Setembro de 1928, quando este programa não era mais que a formalização de toda a degenerescência da IC, a cristalização de todas as posições contra-revolucionárias que se afirmaram cada vez mais nitidamente ao longo dos congressos.

A nossa preocupação aqui, não é de desprezar a importância de produzir a certos momentos documentos do tipo "posições fundamentais dos comunistas" ou do tipo orientação geral; queremos sobretudo denunciar o mito muito falado que uma organização comunista só existiria, teria uma coerência e uma incoerência na linha histórica do partido se tivesse (e de preferência antes de outra actividade) um texto sagrado chamado "plataforma" ou "programa" tentando assim assimilar voluntariamente ou não, as suas posições organizacionais ao programa histórico do proletariado. Nós, comunistas, não nos referimos exclusivamente a um ou outro texto decretado sagrado e a frente do qual o proletariado revolucionário deveria ajoelhar-se, seja o Manifesto, as teses de Roma ou a plataforma de um ou outro grupo formal. Fazemos referência a uma totalidade orgânica onde cada expressão do movimento comunista encontra um lugar em função da maneira em que ele consegue melhor incarnar o arco histórico da comunidade natural até o comunismo integral e isto independentemente de toda aviso imediatista, contingente e limitada. E porque são textos reais do partido que os escritos de Marx são hoje cada vez mais um guia para a nossa acção. Mas Engels já sublinhava para os leitores as insuficiências do Manifesto e é de notoriedade pública que Marx, depois da experiência da comuna de Paris, indicou a necessidade de mudar a formulação de "conquistar o Estado democrático pela exigência da destruição completa".

"A comuna demonstrou que a classe operária não se pode contentar em conquistar a máquina do Estado e em fazei-la funcionar por sua conta própria (...). Da mesma maneira, se as observações sobre a posição dos comunistas frente aos outros partidos de oposição (Capítulo IV) ainda hoje são exactos no seu principia sua exposição modificou-se totalmente e a evolução histórica fez desaparecer a maior parte dos partidos que nele são enumerados. No entanto, o Manifesto continua a ser um documento histórico que não nos sentimos no direito de modificar."
(Engels - prefácio de 1888 à edição inglesa do Manifesto)
Assim, com o Manifesto, são pela primeira vez expostas, de maneira global e sintética, as posições fundamentais dos comunistas. Marx Engels durante toda a vida não só exposeram, explicitaram, desenvolveram, as linhas de força traçadas neste texto, mas em todos os momentos, eles tentaram na medida do possível, dirigir as forças que praticamente são historicamente determinadas a realizar a revolução comunista. Como o diz o Manifesto: "E tempo que os comunistas exponham à face do mundo inteiro as suas concepções, as suas finalidades, as tendências deles e que eles oponham às lendas do espectro comunista um Manifesto do partido ele-mesmo."

A cada período revolucionário que aparecia, Marx tentava organizar, dirigir o Movimento seja na ocasião dos movimentos de 1848 (ver as lutas de classe na França) onde Marx involveu-se pessoalmentevárias vezes ou mais tarde na ocasião da fundação em 1864 da Associação Internacional dos Trabalhadores mais conhecida com o nome de primeira internacional, que retomou slogan central a sentença do Manifesto: "Proletários de todos os países, unam-se" e que foi considerada a justo titulo como a instigadora, a direcção política real da comuna de Paris em 1871 (enquanto a direcção formal - o comité central da comuna - andava com rodeios, oscilava entre os interesses operários e a capitulação frente ao inimigo). Pelo contrário, Marx aproveitou sempre os períodos de recuo, os períodos onde a contra-revolução dominava totalmente (por exemplo de 1850 a 1864) para aprofundar as bases programáticas do movimento ao risco de se encontrar a contracorrente das organizações formais ainda existentes. E esta posição a contracorrente que Engels exprime violentamente numa carta escrita a Marx:

"Como podíamos ser dum 'partido' nós que fugimos como a peste aos postos oficiais? Que nos importa um 'partido' a nós que cuspimos sobre a popularidade, a nós que duvidamos de nos próprio logo que começamos a nos tornar populares? Que nos importa um 'partido' quer dizer um grupo de burros que só juram por nos porque pensam que somos parecidos a eles? De facto, não será uma perda, quando já não passarmos por ser 'a expressão exacta e conforma' desta banda limitada à qual nos associaram todos estes últimos anos."
(Engels - citado no "partido de classe" - Tome 11)
Que saudável vigor classista tem esta passagem, crítica de todos os pseudo-partidistas, defensores antes de tudo do feiticismo da organização formal, que afirmação da necessário trabalho de partido, obscuro, impopular, a maior parte do tempo semeado de críticas e de calunias atiradas por todos aqueles senhores que tentam antes de tudo ter fama. Na prática de Marx, encontra-se intimamente inscrita a sua compreensão fundamental das tarefas que devem assumir em permanência os comunistas: ao mesmo tempo as tarefas de afirmação / aprofundamento do programa revolucionário e ao mesmo tempo quando as condições materiais o permitem, as tarefas de organização, de direcção dos movimentos que se desenrolam sob os nossos olhos. É por isso que quando o movimento é vencido e que reina a contra-revolução, Marx foi sempre o motor da dissolução das organizações formais (a liga - a AIT) antes que estas passem à contra-revolução e isto, sem abandonar de maneira nenhuma o trabalho de partido. Enquanto se desenvolvia uma onda revolucionária, Marx, mantendo ao mesmo tempo as suas outras tarefas, tentou sempre dar uma direcção ao movimento, organizá-lo no sentido do comunismo, no sentido da sua unificação internacional. Por isso, independentemente da sua adesão a qualquer grupo, Marx trabalhou sempre na linha histórica do partido, sendo sempre um militante do partido comunista.
"Marx era antes de tudo um revolucionário."
(Engels - 17 de Março de 1883 - discurso no decorrer do funeral de Marx)

Marx e a invaraibilidade do marxismo

Como já vimos neste texto, a contra-revolução vai tentar desnaturar o Marx revolucionário, tirar-lhe o seu conteúdo subversivo para reter só um reformador utópico, cheio de boas intenções. Mas esta desnaturação, este envilecimento, pode tomar não só a forma da rejeição explícita das conclusões revolucionárias de Marx, da sua necrologia do capital para guardar uma simples biologia (tradição social-democrata, reformista, social-cristã,...) mas pode também complementarmente tomar a forma da reivindicação formal do "marxismo ortodoxo", do salientar de restrições contingentes para negar de facto a validade dos princípios fundamentais. Tal é a obra da "ortodoxia" tipo Kautsky, da "invariável formal" (tradição estalinista, trotskista, "bordiguista",...) contra a qual a liberdade de crítica não traz nenhuma solução senão o abandono dos princípios ao proveito de inovações e outros "avanços" situando-se fora da linha histórica do programa comunista e à qual só podemos opor a verdadeira invariabilidade a verdadeira ortodoxia: a do ponto de vista de classe e do seu método próprio:
"O caminho da consciência no processo histórico não se aplana, ao contrario, torna-se cada vez mais árduo e pede uma responsabilidade cada vez maior. A função do marxismo ortodoxo -que ultrapassa o revisionismo e o utopismo - não é portanto uma liquidação, uma vez para sempre, das falsas tendências, é uma luta sempre renovada contra a influência perversa das formas do pensamento burguês sobre o pensamento do proletariado. Esta ortodoxia não é a protectora das tradições mas a anunciadora sempre desperta da relação entre o momento presente e as suas tarefas em relação à totalidade do processo histórico."
("O que é o marxismo ortodoxo" - Lukacs 1919)
Esta problemática fundamental da invariabilidade real pode exemplificar-se através de todas as posições que destacam os comunistas. O Manifesto do Partido Comunista proclama: "além disso, acusou-se os comunistas de querer abolir a pátria, a nacionalidade. Os operários não têm pátria. Não se lhes pode tirar o que não tem" a afirmação da invariabilidade real do movimento operário: nunca, em nenhuma altura, o proletariado revolucionário tem pátria, nacionalidade. O seu caracter internacionalista é directamente contido na sua essência mesma. O proletariado constitui - se em classe, quer dizer como totalidade histórica e mundial - centralismo orgânico, centralização no tempo e no espaço.

E quando operários lutam para uma pátria, para uma nacionalidade, significa essencialmente que o proletariado deixa de existir como classe (Cf as situações de guerras imperialistas na sua primeira fase), que se proletários atomisados têm "uma pátria" é como cidadãos, como membros da sociedade burguesa e não como coveiros do velho mundo. O ponto de vista do comunismo é "invariável": ou o proletariado pela sua constituição tendência em classe e portanto em partido realiza a sua essência universal e internacionalista - o proletariado não tem pátria - ou é desfeito peta contra-revolução, não existe mais como classe, só restam indivíduos submetidos totalmente à ideologia burguesa da nação, da pátria (8). Mas isso, todos os "ortodoxos", os "invariáveis", afirmando que "o proletariado não tem pátria", vão negá-lo logo depois, introduzindo uma infinidade de restrições: "o período", "os casos particulares", "as condições especificas"... que tornam de facto a afirmação comunista caduca respeitando o teor do texto tornado sagrado e santificado.

Este processo de "aspiração" do conteúdo subversivo para guardar só a frase, encontra evidentemente uma base material nos textos e nas confusões do próprio Marx. É por isso que depois de ter dito que os operários não têm pátria, todos os seus epígonos vão largamente dissertar sobre a frase seguinte, a saber: "como o proletariado de cada país deve primeiro conquistar o poder político, erigir-se em classe dirigente da nação, tornar-se ele-mesmo a nação, ele é dessa maneira nacional; mas não no sentido burguês da palavra." Esta frase é evidentemente uma contradição, contingente, à afirmação programática que a precede; da mesma maneira que se encontra nesta ultima frase a compreensão confusa de "conquista do poder político", substituída por Marx pela visão da necessária destruição do Estado burguês. Duas atitudes erradas vão portanto desenvolver-se na base desta "contradição" de Marx: dum lado a atitude (modernista/inovadora)de rejeição destas expressões programáticas sob pretexto que algumas formulações são confusas (ou até totalmente falsas), ainda marcadas pelas visões do inimigo, e doutro lado, a adesão a todas as frases significando uma adição simples de posições contraditórias, o que significa o mesmo que adoptar uma posição contra-revolucionária. Depois de ter rejeitado o nacionalismo pela porta, tenta-se fazê-lo entrar de novo pela janela. nisto que até o Manifesto pode servir e servirá talvez ainda a justificar as piores guerras capitalistas, os piores delírios nacionalistas e patrióticos.

Ora, toda a história da nossa classe (1789, 1848, 187I, 1905, 1917, 1927, 1935,... 1983,...) demonstra desde a sua origem até os nossos dias, duma maneira cada vez mais forte, a validez da única posição internacionalista, antinacionalista, antipatriótica de princípio.

"Sobressai desta experiência desastrosa que quando o proletariado começa a defender 'a sua pátria', 'a nação oprimida', atinge um só resultado, quer dizer reforçar a sua própria burguesia. (...) O proletariado desenvolve o seu movimento, faz a sua revolução como classe e não como nação."
(L'Ouvrier Communiste - No.2-3 - Octobre 1929)
Mais uma vez, esta posição histórica dos comunistas tinha sido claramente afirmada por Marx (mesmo se desta vez ainda os nossos "ortodoxos", "invariáveis", utilizam outras frases ou textos que circunstancialmente afirmam o contrário).
"A nacionalidade do operário não é nem francesa, nem inglesa, nem alemã, é o trabalho, a escravatura livre, a venda de si-próprio. O seu governo não é nem francês, nem inglês, nem alemão, é o capital. A sua atmosfera natal não é nem francesa, nem inglesa, nem alemã, é a atmosfera da fábrica. O solo que lhe pertence não é nem francês, nem inglês, nem alemão, está a alguns pés por baixo da terra."
(Marx - crítica da economia nacional - 1845)
A obra de Marx (e é nisto que ela nos interessa) é assim uma fantástica síntese das posições que, historicamente, demarcaram o proletariado da burguesia. Esta síntese continua, em muitos pontos, inigualável, Marx tendo uma vez para sempre traçado as grandes linhas do programa comunista. Vimos como se afirmava claramente o carácter directamente internacional e internacionalista do proletariado, pedra chave da compreensão de que a revolução será mundial ou não será. Podemos assim analisar todas as perguntas fundamentais do programa revolucionário, todas as perguntas que hoje ainda constituem a fronteira entre os interesses proletários e aqueles da burguesia e ver em quê Marx definiu magistralmente as "condições do andamento e dos fins gerais do movimento proletário" (Manifesto).

Sobre a questão central do Estado, Marx, como o seu amigo Engels, definiu, duma maneira muito clara, a imperiosa necessidade de destruir completamente o estado burguês e não de o conquistar ou de o ocupar. (ver igualmente "o estado e a revolução" de Lenine). Uma vez esta destruição do Estado burguês acabada, situa-se um período de transição onde o proletariado organizado em classe dominante impõe a sua ditadura de classe para a abolição do salário.

"Entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista situa-se o período de transformação revolucionário de uma para a outra. A que corresponde um período de transição política onde o Estado não poderia ser outra coisa que a ditadura revolucionária do proletariado."
(Marx - Critica do programa de Gotha - 1875)
É pelo contrário a tradição "lasalliana" (retomada parcialmente por Kautsky e a social-democracia) que, abusivamente assimilada à posição de Marx, insiste na necessidade eterna do Estado, na sua conquista, no reinado divino da democracia e portanto da burguesia.
"Aliás, todo o programa, (...) é de lês a lês infectado pela servil crença da seita lassaliana ao Estado ou, o que nada mais vale, pela crença do milagre democrático; ou antes, é um compromisso entre estes dois tipos de fé ou milagre, igualmente afastados do socialismo."
(Marx - Crítica do programa de Gotha - 1875)
Assim, a polémica que separa os "marxistas" dos "anarquistas" no seio da AIT não é de saber se é ou não preciso destruir o Estado burguês (nesta época, estes duas corrente estão de acordo sobre as tarefas destruidoras da revolução), mas de saber se, uma vez o estão burguês destruído, existiria logo e automaticamente, a sociedade sem classes e sem Estado. O que diferencia portanto essencialmente a corrente bakuninista (9) das posições de Marx não é a luta à morta contra o Estado nem mesmo as questões de organização (os reformistas censuraram sempre Lenine por retomar a concepção de partido de Bakunine: a ditadura do partido da anarquia) mas sim a compreensão essencial do período de transição, do período onde o proletariado organizado em classe dominante quer dizer em Estado impõe pela força das armas a destruição do valor, a destruição das classes, negando-se portanto como Estado. Por isso, do Estado operário, Marx dizia que se tratava dum semi-estado, dum estado em via de extinção.
"Convinha abandonar toda esta tagarelice sobre o Estado, sobretudo depois da comuna que já não era um Estado no sentido próprio. Os anarquistas atiraram-nos suficientemente à cara o Estado popular, se bem que já o livro de Marx contra Proudhon e depois o Manifesto comunista dizem explicitamente que com a instauração do regime social socialista o Estado dissolve-se por si-próprio e desaparece. O Estado sendo só uma instituição temporária da qual temos que nos servir na luta, na revolução para reprimir pela força os adversários, é perfeitamente absurdo falar dum estado popular livre: enquanto o proletariado ainda precisa do Estado, não é para a liberdade, mas para reprimir os seus adversários. E no dia é que se torna possível falar de liberdade, o Estado deixa de existir como tal. Por isso, proporíamos pôr por toda a parte em lugar da palavra Estado, a palavra "Gemeinwesen" excelente velha palavra alemã respondendo à palavra francesa comuna."
(F. Engels - carta a Bebel - 1875)
A posição de Marx é portanto anti-estatal.
"A abolição do Estado só tem sentido para os comunistas como resultado necessário da supressão das classes cujo desaparecimento leva automaticamente ao desaparecimento da necessidade dum poder organizado duma classe para a opressão duma outra."
(Marx - "A nova gazeta renana" - 1850)
A afirmação da ditadura do proletariado como "transição" para a abolição de todas as classes (cf carta a J. Weydemeyer, 1852) implica a compreensão do necessário terrorismo revolucionário.
"As matanças sem resultados desde os dias de Junho e de Outubro, a fastidiosa festa expiatória desde Fevereiro e Marco, o canibalismo da própria contra-revolução, convencerão os povos que para abreviar, para simplificar, para concentrar a agonia mortífera da velha sociedade e os sofrimentos sangrentos do nascimento da nova sociedade, só existe um meio: o terrorismo revolucionário."
(Marx - "A nova gazeta renana" - 1848)
E nesta mesma perspectiva que Marx crítica duramente a Comuna por não ter tomado a iniciativa na luta, da aplicação de mediadas terroristas tendo como finalidade salvar vidas operárias mesmo que tivesse sido preciso liquidar alguns generais e padres.
"No entanto, durante alguns tempos, as execuções de prisioneiros foram suspensas. Mas logo que Thiers e os seus generais Dezembristas foram avisados, mesmo os seus espiões da policia feitos prisioneiros em Paris com o disfarce de guardas nacionais, e da mesma maneira os sergentos possuidores de bombas íncendiarias, eram poupados; logo que se aperceberam que o decreto da comuna sobre as represálias não era passava de uma vã ameaça, as execuções em massa de prisioneiros recomeçaram e continuaram sem interrupção até ao fim."
(Marx - La guerre civile en France - 1871)
E, se neste aspecto, as posições de Marx são relativamente conhecidas, a sua ligação com a destruição de toda a alienação/extraenização (ver 4) é quase sempre ocultada. De facto, a burguesia (expecto os seus cordeiros pacifistas) reconhece com pavor que as posições de Marx implicam a revolução violenta (chamavam a Marx o "red terror doctor"), implicam uma ditadura operária terrorista e portanto antidemocrática compreendida como sendo a força que destrui a escravatura assalariada e portanto o trabalho. Até as correntes burguesas que se reivindicam de Marx - estalinistas trotskistas - conservam este aspecto violento e ditatorial. O que os diferencia fundamentalmente das posições de Marx não é a não-violência ou o anti-terrorismo, mas o facto que esta violência, este terror visa o proletariado revolucionário e não a burguesia contra-revolucionária. Frente a estes pseudo-marxistas, nós não discutimos o uso apropriado ou não apropriado da violência; porque estes pseudo-marxistas defendem a escravatura assalariada, são as nossas armas que voltamos contra eles. O problema não é de saber se ou não necessário ser terrorista, mas contra quem orientar a nossa violência de classe para impor a nossa ditadura de classe. O que separa a natureza de classe da violência, é a finalidade pela qual é aplicado este terror, são os interesses históricos de classe que ele defende. Qualquer outro debate cai imediatamente na metafísica, na filosofia,... colocando as questões de "violência", "terror", "Estado", fora da luta de classe maneira de fazer que Engels desde há muito tempo destruiu no Anti-Dürhing.

O que nos interessa portanto é repor no centro de toda a compreensão marxista a questão essencial da luta operária para a abolição do trabalho assalariado por conseguinte de todo o trabalho. É para impor a sua "palavra de ordem revolucionária: abolição do salário" (Marx - Salaire, prix et profit) que o proletariado luta e vencerá. Foi Marx, mais que qualquer outro, que salientou esta questão essencial da abolição do trabalho assalariado, que defendeu a primeira palavra de ordem: "abaixo o trabalho, viva o comunismo".

"Não se deve simplesmente atacar a propriedade privada como "facto", mas atacá-la como actividade, como trabalho, se quisermos dar-lhe um golpe mortal. É um dos enganos mais graves de falar de trabalho livre, humano, social, de trabalho sem propriedade privada. O trabalho é na sua essência actividade não livre, desumana, insocial, condicionada pela propriedade privada e por sua vez criando-a. A abolição da propriedade privada só se tornara realidade quando concebida como abolição do trabalho."
(Marx - Crítica da economia nacional - 1845)
A luta proletária contra o capital só se pode conceber como luta contra o trabalho assalariado (forma que toma o trabalho, quer dizer a actividade alienada, desumana, no sistema capitalista) implicando portanto a abolição de todo o trabalho.
"No seu trabalho, o operário não se afirma, mas nega-se; não se sente à vontade, mas infeliz; não desenvolve uma livre actividade física e intelectual, mas mortifica o seu corpo e arruina o seu espírito."
"Não se trata de libertar o trabalho mas de suprimí-lo."
(Marx - A ideologia alemã - 1845)
Muitas outras questões poderiam ser objecto duma reafirmação das posições fundamentais de Marx, cortando radicalmente com aquilo que se diz (o que é dito pelo inimigo de classe e que a certas alturas Marx disse também) das suas posições, daquilo que se retém da palavra "marxismo". Nós já sublinhamos varias vezes que o conjunto do vocabulário que exprime o projecto comunista e o programa revolucionário foi integralmente modificado, foi oposto ao seu significado real, significado que ele possuía claramente às origens próprias do movimento operário. Se, na época de Marx, a qualidade de comunista sobressaía sobre o que existia, significava automaticamente: inimigo irredutível do Estado burguês; hoje, para a maior parte dos proletários, a palavra comunista recobra a triste realidade da escravatura assalariada nos países de Leste, na China ou em Cuba, ou ainda, as sinistras mímicas do palhaço Cunhal.

Frente a estas deformações, não se trata de capitular, de deixar estas expressões carregadas de história ao inimigo, reinventando todos os conceitos, reinventando até uma nova linguagem proletária (que a burguesia logo recuperaria). Ao contrário, trata-se de voltar a dar a essas palavras o seu sentido primeiro, de reactivar na memória colectiva da nossa classe as experiência fundamentais que dão a essas expressões a sua vida real, trata-se de refazer tremer a burguesia à única evocação do "espectro comunista". O mesmo se passa com o termo "marxista" generalizado com a morte de Marx por Engels que caucionava assim o começo nocivo do culto da "personalidade genial" em detrimento da apropriação do programa. Na medida em que o termo "marxista" tem o mesmo significado que o termo "comunista", nós nos reivindicamos plenamente desse marxismo, desse comunismo revolucionário sabendo porém que devemos, cada vez mais, insistir sobre o carácter impessoal, anónimo do nosso programa.

"A revolução levantasse-a terrível, mais anónima."
(Fantômes à la Caryle - Il programma comunista - 1953)
E nesse sentido que a sentença de Marx encontra a sua plena compreensão marxista: "tudo o que sei, é que eu não sou 'marxista'" (K. Marx). Só no seio do movimento comunista é que nós podemos compreender porque Marx, e unicamente ele, não era marxista. Não se trata de "ultrapassar", de "rejeitar" o marxismo. Trata-se sim de reafirmar a invariabilidade da subversão, a invariabilidade do comunismo e portanto do marxismo como negação violenta da ordem estabelecida.
"Em todo, estes escritos, nunca me qualifico de social-democrata, mas de comunista. Para Marx, como para mim, é absolutamente impossível empregar uma expressão tão elástica para designar a nossa concepção própria."
(F. Engels - Préface à la brochure du Volksstaat de 1871-75)
"Vocês lisonjeiam da maneira mais grosseira o sentimento nacional e os preconceitos corporativos dos artesãos alemães, o que é evidentemente mais popular. Da mesma maneira que os democratas fizeram da palavra povo uma formula sagrada, vocês fazem uma formula sagrada da palavra proletariado. Tal como os democratas, vocês substituem ao desenvolvimento revolucionário, a fraseologia revolucionária."
(Marx - Procès verbal du conseil central de Londres - 1850)

Notas

1. Neste sentido, todas as variedades de esquerdista que pretendem realizar "as tarefas democráticas burguesas", "a socialização da economia", "as nacionalizações", etc... estão em atraso sobre o próprio movimento do capital. E o capital pelo seu movimento que realizou os programas reformistas os mais radicais, desde os dos trotskistas até os sonhos gestionistas os mais ousados (Castoriadis, Gramsci,... até Ratgeb/Vaneigem). O esquerdista não é portanto somente reaccionário em relação ao comunismo mas ele é mais, ele é retrogrado em relação ao movimento do valor, ao movimento do capital.

2. Sobre a questão do partido, nós aconselhamos a leitura do texto "Communisme et parti" publicado na revista Le communiste No.15.

3. Evidentemente, são textos tão fundamentais como "A questão judaíca", "Os manuscritos parisienses", "A ideologia alemã", "As teses sobre Feuerbach", "Os Grundrisse", "O capitulo 5",... que tiveram que esperar décadas para serem enfim publicados, e mesmo assim, por vezes parcialmente e censurados. Inclusivamente, foi necessário esperar o trabalho essencial da republicaçao integral das obras de Marx por Riazanov para ver aparecer estes textos essenciais (trabalho que causou o seu desaparecimento nos anos 30, liquidada por Estaline). A título de exemplo, "os Grundrisse" tiveram que esperar 1939 para ser publicado em alemão, revelando de maneira irrefutável a totalidade indissociável que constitue a obra de Marx enquanto todos os "marxólogos" de ontem e de hoje teimam em censurá-lo, em cortá-lo, em opor uma parte dele contra outra (ver desenvolvimento na continuação do texto).

4. Sobre esta questão, ver o texto que recoloca a problemática marxista da alienação no centro do programa revolucionário: "Da alienação do homem à comunidade humana" Le Communiste No.14 [Comunismo No.3].

5. Sobre esta questão essencial do método, nós aconselhamos o leitor a ler o nosso texto "Notas críticas sobre o materialismo dialéctico" publicado na revista Le Communiste No.13.

6. As numerosas obras publicadas ou republicadas que pretendem apresentar a vida e a obra de Marx são na maior parte vulgarizações, formações, falsificações ou até mesmo plágios ao serviço de uma ou outra corrente burguesa. Nós retemos no entanto as obras seguintes que se destacam da massa dessas produções ideológicas:

7. "Da mesma maneira, Marx e Engels sintetizaram magistralmente o programa comunista no celebre Manifesto de 1847 que, mesmo sendo ele encomendado por um 'partido' formal - a liga dos comunistas - tem uma validade, um conteúdo que ultrapassa largamente o quadro restrito do pequeno grupo de militantes comunistas, que ninguém hoje ousaria reduzir o alcance universal do Manifesto ao simples programa da liga. O Manifesto é directamente obra de partido 'na sua larga aceitação histórica'." ("Comunismo e partido" Le Communiste No.15)

8. Evidentemente, os dois termos desta contradição classe/não-classe não devem ser concebidos como abstracções puras excluindo-se automaticamente mas como um movimento, tendência de confronto até à vitória - resolução da contradição pela afirmação do polo revolucionário - quer dizer afirmação da classe revolucionaria como classe dominante e negação do proletariado (negação da negação).

9. Bakunine e os seus amigos no seio da AIT (James Guilleume...) não tem evidentemente nada a ver com aqui lo que nós conhecemos hoje na Europa ocidental como "anarquista". Da FAF (Francesa) à CNT governamental, do "anarquista" apoiando o sindicato papal "Solidarnosk"... aos pacifistas enologistas, toda esta merda libertária é tão afastada de Bakunine que os "estalinistas" de Marx. Se Bakounine desenvolvia posições erradas entre outras sobre a ditadura do proletariado, era incontestavelmente do ponto de vista proletário do ponto de vista revolucionário, enquanto hoje, os seus "netos" se atrapalham abertamente na contra-revolução.